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Sobre o estar consciente de que pensamos

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Escrevo este texto porque cedi este fim-de-semana à tentativa de ficar a olhar para o escuro tecto do meu quarto enquanto divagava à solta por pensamentos. O que me fez escrevê-lo foi uma questão decisiva para a minha desistência em continuar a pensar no escuro do quarto: já alguém se deu conta de como é difícil ficar imóvel prolongadamente apenas a pensar?

O pensamento, se promovido a único objecto de atenção, para ser um valente tédio, quiçá semelhante ao tédio de olhar para a parte de trás um escritório e contemplar uma confusão de cabos, condutas, canos e pó. Sabemos o quão bom é poder pensar e chegar a uma boa ideia que nos facilita a vida ou nos resolve um problema, mas é com desinteresse que praticamos o pensamento puro, aquele que resulta da concentração exclusiva na actividade cerebral.

Agora que penso nisso, reparo que não é a primeira vez que presencio declarações de gente afirmando gostar de passear ou de se distrair com alguma coisa para poder pensar e chegar a alguma ideia interessante. Isto poderá indicar que o pensamento é uma actividade cujos resultados podem beneficiar da sua conjugação em paralelo com actividades físicas variadas.

Por outro lado, é igualmente legítimo aquiescer que existem ocasiões em que o encadeamento de um discurso por livre associação de ideias conduz a conclusões interessantes. Esta actividade não mais é do que dotar o corpo de uma actividade física banal (falar é um exemplo), como que para o entreter, e a partir daí pensar a fundo.

Agora que desisti de pensar no escuro do meu quarto, reparo como reflectir sobre estas coisas é reflectir sobre a nossa existência, não a origem dela, mas o porquê de sermos do modo que somos. Pensamos: é um facto. Não obstante, é curioso como vivemos absortos para os próprios caprichos funcionais do pensamento, aquilo que paradoxalmente poderíamos compreender como se tratando da sua (pensamento) forma de ser.

A indissociação do pensamento e actividade física, se apresentada como um dado adquirido cuja alteração não está ao alcance do poder e vontade humanas, talvez não permita suspeitar que nela subjaza um outro dilema, esse bem mais condizente com a nossa esfera de actuação humana, que é a paciência, ou falta dela, perante a consciência de nós mesmos. Por isso, quando fazemos uma actividade física independentemente do tipo ou intensidade, ficamos absortos para a nossa existência, precisamente porque a mente se foca nessa actividade e não tem como pensar que estamos a pensar, ou por outra, não temos que reparar que estamos a pensar. Neste sentido, diferentes tarefas encadeiam-se e fazem-nos pensar nelas, sem o que saibamos.

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