Procurar:

Sobre o desejo, as pedras filosofais e o apaziguamento do ser

Share it Please

*     *     *

No primeiro livro da sua saga, Harry Potter e a Pedra Filosofal, J.K.Rowling introduziu a ideia de que existem coisas, no caso referia-se à dita pedra, que só podem ser encontradas por alguém que as não deseje encontrar.

*     *     *

Somos demasiado aliciados com apelos ao desejo para perceber que aquilo que podemos obter na vida e, sobretudo, da vida, não tem de passar por essa catapulta pérfida (no sentido de ferramenta bélica que projecta) que é o desejo.

Por requerer a identificação de um alvo, o desejo invoca ideais superiores, que o fazem parecer nobre, e num ápice os deturpa, alocando-os precipitadamente a algo em concreto que nos caiba pensar ou imaginar. Essa transfiguração de algo no seu estado puro (a felicidade, o amor, a alegria), que verte para algo mais particular, mais material, mais executável no mundo físico, é porventura inevitável, mas precisa de ser contida. Isto porque somos seres imperfeitos, repletos de vícios comportamentais e ideológicos.

Sabemos como o desejo se perfuma com dinheiro, e como nesse vínculo o dinheiro apadrinha o ego do desejo, fazendo-o materializar-se mais facilmente em elementos físicos (objectos e pessoas) que passam a ser considerados receptáculos da ideia que despoletou o desejo. Parte-se do geral, materializa-se no particular, e busca-se depois o impossível regresso ao geral. Por ser impossível é que o desejo nos leva a repetir experiências: estas são particulares demais para tocar na dimensão geral e superior a que ambicionamos.

Pela sua natureza de impetuosa concretização, o desejo torna impura a ideia que o motivou, que não tem de ser obrigatoriamente má ou condenável a priori. Na aparência de uma intensidade que alega garantir vivacidade à vida, mas em verdade se esgota rapidamente nos limites concebíveis da escala humana, o desejo sacrifica a paciência, o sentido de justiça, a ética, a disciplina física e mental, em prol de uma miragem.

Não vives melhor por muito desejar, vives somente mais intensamente. A vida não se esgota no desejar e no dar resposta ao desejado. Esta é uma tremenda lição.

Talvez seja por este motivo que os grandes pensadores e homens sempre recomendaram as mais variadas formas de abstinência, nem que temporárias, porque estas põem o desejo no seu devido lugar, e abrem assim caminho a que encontremos as pedras filosofais que só então, nesse apaziguamento do ser, se podem começar a revelar.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...