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Sobre o dever europeu de agir (ou nao agir), à luz do êxodo muçulmano no Mediterrâneo

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Imagem: iScape I - Rebecca Hastings (2015)


O assunto dos refugiados que desalmados chegam ao continente europeu em marés de desespero, sim, esses que nos dão à costa ora cadáveres mortos ora cadáveres vivos, força as consciências no sentido de uma questão de fundo sobre o nosso papel no mundo

Há duas atitudes extremas que as pessoas podem adoptar relativamente a problemas envolvendo terceiros: ralar-se como se o problema fosse seu, ou ignorar assumindo que o problema não é seu. O ponto onde se demora o pêndulo da verdade entre estes dois opostos define a fronteira estóica que delimita até que ponto as coisas devem depender de nós (e é nosso dever resolvê-las) ou não dependem directamente de nós (e temos de nos resignar à sua existência para lá da nossa vontade ou expectativas).

Quem se faz ao mar e abandona o seu país, fá-lo na certeza de que a esperança mora nessa viagem, porque o que deixa para trás antecipa-se pior e a evitar. Estas pessoas tomaram uma difícil decisão que resulta de entenderem que estão perante um problema que os próprio têm o dever de resolver.

Para quem acolhe activa ou passivamente recebe estas pobras criaturas, o problema é outro. A proximidade a estas realidades cria-lhes um real problema. No imediato é óbvia e intocável a obrigação humanista de garantir dignidade a estas pessoas (e isso tem falhado por artroses decisórias). Porém, numa linha de entendimento mais recuada e ampla, o que está em causa é que o dito pêndulo estóico tem-se movido cada vez mais no sentido de nos fazer acreditar que depende de nós resolver o problema que mora fora do nosso quintal europeu, nas antípodas das águas de onde os improvidados navegantes partiram.

Assim, a grande pedra no sapato das elites decisórias europeias é o peso na consciência de se ver em surpreendidas e empurradas para um problema que julgava não ser seu, e de não estar preparada, em tempo útil, para largar os problemas da moda e solucionar um tópico bem mais priorário. Afinal, algum dia a queda da bolsa de Xangai pode superar a queda de uma criança ao mar?

Só por ilusão nos podemos refugiar no feudo intelectual de estabilidade que a Europa permite ter em jeito de playground civilizacional, e julgar que o mundo somos nós que estamos bem  e recomendamo-nos cá dentro. Isso são ilusórias muralhas de segurança que caem ante a imoralidade que não agir quando esse é o nosso dever. Ninguém se pode refugiar do seu dever, seja ele qual for.

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