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Sobre a manha necessária para o comércio digital e necessidade de uma carta de direitos humanos para essa dimensão

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Take a number - Andrew Ohanesian (2017)

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O capitalismo digitalizado, que opera à velocidade das telecomunicações (e não das consciências dos que nele participam), oferece hoje às pessoas o sonho de vidas facilitadas em que as ações formais se banalizam no mesmo passo em que lhes permitem progredir com menos paragens ou perdas de tempo. Esquivarmo-nos às perdas de tempo é brutalmente aliciante, seja numa fila, na obrigatoriedade de ler um contrato, numa reunião, mas está longe de ser um desígnio desligado de consequências nos próprios processos em que é posto em prática.

O mundo do digital, onde se compra e gerem coisas tão variadas como um viagem de avião, um aluguer de carro, um medicamento ou cosmético, e até uma paixão, é terreno fértil para a manifestação de faltas de princípios, de carácter, e de humanidade, validados pelo desfasamento físico ou temporal entre o cliente e o interlocutor, e entre o primeiro e o produto/serviço. Um desfasamento físico porque o preço do conforto é nunca chegarmos a estar em contato com quem de direito num forma socialmente não-artificial; e temporal porque os momentos em que se compra/requisita/paga e os momentos em que se recebe/analiza/valida não coincidem. Ao retardador há mecanismos de controlo, porque as pessoas sentem vontade de avaliar as boas e más experiências, mas também isso demora o seu tempo. No comércio tradicional há uma tradição de bem ou mal servir, no digital há uma mutável construção de tradição. Vicissitudes.

No meio de tudo isto, sou levado a concluir que muito do comércio/serviços atualmente ancorado no digital, obriga o potential cliente a deter uma manha própria sobre como proceder com vista a minimizar as chances de ser aldrabado ou de modo a sair incólume dos contratos, das cauções, e do jogo da macaca que são os termos e condições. Se tudo isto reflete uma qualidade da modernidade que é a rapidez (e eficiência), há um subliminar aridez de princípios, ética, imputabilidade, que falsifica as experiências comerciais no sentido de uma humanidade impessoal. Mais do que uma moral religiosa que interligue a terra e o céu (tema não consensual), faz hoje falta uma moral para o digital, e uma carta dos direitos humanos para essa dimensão existencial.

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