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Sobre o sentido de partir um mesmo copo duas vezes e a capacidade de examinar a vida que sucede, ao som de 'Roman Two' (Krzysztof Komeda)

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Le Vase 1 - Fernand Leger (1927)

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Esta semana ocorreu-me o insólito caso de partir um mesmo copo duas vezes. A cultura popular diz-nos para nunca voltar a um sítio onde já se foi feliz. Mas o que postula ela sobre regressar a um local/situação onde já se foi infeliz (há escassos minutos atrás)? As coincidências estão sempre à mercê das expectativas humanas, que com elas adoram brindar aos misteriosos caminhos do divino.

Vou um pouco mais longe: certamente qualquer um concede que é menos provável partir o mesmo copo duas vezes do que parti-lo apenas uma vez. Em todo o caso, um copo partido tem um valor útil vertiginosamente inferior a um copo inteiro, completo, pleno. Pelo que urge perguntar: pode a emoção de partir um copo que já estava partido ser mais forte do que a de o partir pela primeira vez? Porquê? (A repetição de um fenómeno tem um efeito psicológico de desgaste, e leva-nos a percecionar mais ou menos intensamente aquilo que efetivamente aconteceu e esteve em causa.)

Para concluir, recupero uma ideia de Sócrates, que afirmou que uma vida examinada não vale a pena ser vivida. É que os eventos sucedem-se, mas a nossa capacidade/disponibilidade para os examinar nem sempre se sucede. Por vezes só sentimos, e deixamos de examinar. Ou então distraímo-nos com a examinação que outros fazem, e que tomamos como nossa (ou repudiamos em abstrato). Mas e a  nossa qual é, afinal? A capacidade de parar e ser nutrido pelos episódios da vida é hoje uma subtil competência que poucos ousam e aparentam praticar, seja na forma escrita, oral, ou meditativa. É só sentir, e vambora que se faz tarde. Tarde para quê, mesmo?

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