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Sobre noções de linguagem e língua postas em prática

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A experiência de morar num país em que não se compreende praticamente nada da língua materna, ou pelo menos da língua materna vigente na região (o flamengo) abriu a porta para a insólita situação de conviver com pessoas que conversam entre elas como que em código.

Esta situação, que se prolonga há vários meses e que vai sendo contrariada com comunicação em língua inglesa que restabelece as pontes de ligação entre mim e os belgas, tem a agravante de permitir, em inúmeras ocasiões, perceber pelo tom de voz o tipo de sentimento que está a ser transmitido na incompreensível lengalenga fonética dos belgas flamengos. Por vezes um sorriso, um abanar de cabeça ou um gesticular são mesmo o último reduto de compreensão.

Por improvável que pareça, esta experiência tem coincidido com o visionamento da série televisiva Lie to Me, onde um especialista em expressão gestual e facial analisa depoimentos e investigações criminais com vista a extrair informação não verbalizada por parte de suspeitos ou entrevistados. Na qualidade de espectador desta série, tenho aprendido o significado psicológico de diferentes gestos, esgares, movimentos e reacções, embora considere praticamente impraticável a sua aplicação quotidiana, pela simples razão de que este tipo de indicadores ocorre em fracções de segundo e requerem uma atenção constante e treinada sobre seus indícios.

Não obstante, a experiência na Bélgica tem tido o especial condão de eliminar mais facilmente a atenção sobre a mensagem que está a ser transmitida, dado que a mesma se revela quase sempre indecifrável. Sobra então tempo, embora nem sempre motivação, para apreciar os movimentos, gestos, tons de voz, mudanças de ritmo, gesticulação, olhar ou tão somente a forma como os falantes se relacionam.

Verdade seja dita: na maior parte das vezes fica-se mesmo sem perceber o que falavam ou falaram, mas também é justo dizer que este exercício torna patente o quão abrangente a linguagem é face à língua. Afinal, mesmo não compreendendo o que está a ser dito, não é difícil perceber que se está a falar mal de alguém quando se fala em tom estranhamente baixo, ou que se está descontente quando se gesticula apontando com o indicador efusivamente, quando se fala a grande ritmo e o corpo vai acompanhando com movimentos de depreciação como abanares de cabeça e franzimentos de rosto, ou mesmo quando a chegada de um novo belga à sala onde se está falar faz com que o orador mude o tom de voz, interrompa o que estava a dizer e mude repentinamente o ânimo.

Na incompreensão do que dizem, aviva-se o tabuleiro social universal que nos é incutido culturalmente como parte da nossa humanidade.

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