Procurar:

Sobre o livro 'As Pupilas do Senhor Reitor' (Júlio Dinis), a viralidade à moda antiga, e a inequívoca vantagem de evoluir pela instrução formal ou informal

Share it Please

 Backpack and Handbag - Julian Opie (2018)

* * *

Como o estado atual das coisas é sempre o momento histórico que mais nos merece atenção e exposição, somos particularmente sensíveis aos riscos e debilidades do tempo que nos cabe viver. Com isto, ficamos subtraídos da capacidade de entender o presente à luz do que foi a realidade noutras épocas. Vem isto a propósito da leitura recente do livro As Pupilas do Senhor Reitor (a minha estreia com Júlio Dinis) e que sendo um retrato da ruralidade portuguesa no século XIX, muito ajuda a relativizar o momento civilizacional atual.

A primeira ideia-chave é a de que o boato e o rumor, que hoje abundam nas redes sociais a ponto de manipular decisões políticas, é muito anterior a àquelas, sendo outrora alimentado boca a boca como hoje o é tecla a tecla. A mercearia ou a igreja, enquanto pontos de permanente fluxo de pessoas foram o equivalente às redes sociais, e a viralidade de informações fantásticas (quem casa com quem, quem fez o quê a quem, etc) era igualmente observada outrora. Foi assim que os dramas narrados envolvendo Pedro, Daniel, Clara e Margarida ganharam escala na aldeia do senhor Reitor, com inevitáveis modificações da narrativa devido a ímpetos de especulação e sensacionalismo.

A segunda ideia-chave que vale ressaltar deste livro, é a mensagem de que, antes como agora, a instrução faz a diferença no desfecho da vida das pessoas. Querer evoluir pela instrução é em si mesmo mais valioso do que poder evoluir. Margarida, a órfã que se instruiu em casa a ponto de pensar e falar como uma pessoa formada, acaba por compensar a sua inferioridade social inicial conquistando um Daniel que se formou médico porque o poderia económico o permitiu, mas que sofria de uma inconstância emocional que põe em causa a sua educação superior. Toda a narração é abençoada por um estilo de escrita polido e que não pesa ao leitor, revelando em Júlio Dinis um espírito refinado e extremamente consciente dos equilíbrios de forma e conteúdo sem quais é impossível criar uma obra de referência como este livro é.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...