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Sobre o filme 'Mães Paralelas', e um tributo à história da Espanha cruzado com dramas genealógicos ligados à autenticidade da vida e à memória da morte

 Mães Paralelas é um filme intenso, complexo e inteligente assinado por Pedro Almodóvar em 2021. Versa sobre a genealogia, e fá-lo tendo como pano de fundo a situação espanhola onde há um legado de dezenas ou centenas de milhares de antepassados que jazem em valas comuns sem a identidade e dignidade de uma sepultura individual, fruto da guerra civil nesse país e do regime franquista. A trama do filme cruza uma tentativa de fazer justiça a antepassados de Janis (por Penélope Cruz) - enterrados numa vala comum por localizar na sua aldeia natal - com uma troca de bebés na maternidade, criando-se uma sobreposição de imperativos restauradores da verdade, justiça e ordem.


A magistralidade do filme emerge paulatinamente quando os processos de morte e vida, presença e ausência, verdade e mentira, são conjugados em múltiplas camadas, umas sociais, geracionais, externas e racionais, outras psicológicas, íntimas e sentimentais. A complexidade do ser humano, nos seus dilemas conflituantes entre o dever e o querer é explorada sob o espectro cromático almodovariano criando um pungente contraste entre a fealdade de algumas efemérides da história e a aliciante estética cénica que serve de palco a toda a ação.

Por tudo isto,  Mães Paralelas é também ela uma inesperada grande descoberta, distinta da vala comum do cinema mainstream recorrentemente oco de conteúdo nobre, mal preparado, e alicerçado em elencos de luxo e em estímulos visuais e sonoros incessantes. Um filme que honra a história de Espanha e a atualidade desse país, e que eleva sem sacrificar dramas genealógicos distintos: o honrar a ascendência, as multifacetadas formas de projeto familiar no presente, e os riscos inerentes à busca por deixar  uma descendência que perpetue a nossa linhagem genética.

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