A cultura da pechincha difundiu-se como o sintoma maior de uma filosofia consumista que absorvemos progressivamente durante anos e que actualmente deve estar a viver o seu apogeu.
As pessoas procuram os saldos, as promoções, as campanhas como forma de justificarem a sua voracidade de aquisição. Existe uma hipersensibilidade a argumentos como “melhor preço do mercado”, “best-seller”, “sucesso de bilheteiras” ou “50.000 exemplares vendidos em 2011”. Vemo-nos a comprar o que não precisamos, o que não gostamos, o que não queremos e isso faz mal, só pode fazer mal. Saímos à rua para comprar pão, e chegamos a casa com uma revista, um pacote de pastilhas elásticas e dois bolos para o lanche. Vamos ao supermercado e saímos de lá carregados não com o que queríamos comprar, mas com o que nos quiserem mesmo vender.
A propaganda comercial, feita por gente que estuda bem os fenómenos de massas e procura atacar o mercado tocando nos pontos cardeais dos consumidores, centra o discurso em Portugal na lógica da pechincha, na ocasião imperdível de comprar o que não precisamos em absoluto e que mais cedo ou mais tarde irá encostar-se algures numa garagem, gaveta ou armário. Loucas, as pessoas concentram-se no quanto não vão pagar se aproveitarem as oportunidades imperdíveis, negligenciando que o preço de pagar menos 100 euros por um equipamento electrónico em promoção (e que não precisam de todo) é desembolsar 300 euros. Não se olha para os 300 euros que saíram, apenas para a caixa onde vem o artigo comprado.
Esta tramóia toda roça o absurdo, na exacta medida em que cada vez interessa menos usufruir das coisas compradas. Talvez na primeira semana se use com alguma regularidade a máquina de ginástica ou a máquina de fazer pão, mas mais dia menos dia a fome de novas aquisições manda para um canto as últimas aquisições. Esta fome só se mata periodicamente pelo acto de comprar. Posse, posse, posse.
O dinheiro tem de chegar sempre para mil e um vícios, quer exista em fartura, em magreza ou na modalidade de empréstimo bancário. Afinal, só vivemos uma vez e a gastar, pois que se gaste hoje o que se vai ganhar amanhã. A respeito do dinheiro, note-se como a lógica das pessoas falha considerando o que acontece quando se sabe que o preço de uma dada categoria de produtos vai subir: empandeira-se um carro forçando o surgimento da necessidade de trocar de carro. “Este já tem uns aninhos, mas está como novo!” Esquece lá o antigo, já viram as linhas modernistas deste novo bólide? E a tecnologia XPTO deste novo telemóvel? Dá para sincronizar com tudo menos com a estupidez de despender 600 euros nele para depois andar com o saldo nas lonas para chamadas. “Liga tu que fica mais barato” ou “Manda um toque para eu saber que já chegaste”. Ridículo.
Marcelo, em primeiro lugar deixe que lhe diga que gostei imenso de ler o seu texto. Este é um problema cada vez mais grave nos dias de hoje. Saliento a frase: "Afinal, só vivemos uma vez e a gastar, pois que se gaste hoje o que se vai ganhar amanhã." Hoje em dia deixou de haver o "pé-de-meia", deixou de haver o dinheiro guardado debaixo do colchão para quando fosse preciso... A maioria dos casais jovens tende a gastar todo o ordenado mensal. E claro, tal como disse em aparelhos que não necessitam realmente. E se houver um imprevisto? Uma inundação, um acidente de automóvel, uma doença? Nessa altura não haverá dinheiro e terão que recorrer a um empréstimo ou a familiares... O dinheiro está a ser demasiado desvalorizado. O que interessa é adquirir os bens materiais, independentemente do que isso nos custará hoje e também amanhã, quando for realmente necessário.
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