Imagem: Lego - Andre Alberto
Em criança brinquei vezes sem conta com essa invenção maravilhosa que são os blocos Lego. Nunca guardei nada montado: era brincar enquanto dava, construindo formas várias e por fim desmontar tudo e arrumar para uma futura reinvestida na construção e imaginação. Nunca nesses tempos o acto de brincar deixou de fazer perfeito sentido só porque no fim tudo teria de ser desmontado, anulado e arrumado numa grande caixa também ela de plástico.
Revisito essas experiências à luz daquilo que no budismo são as mandalas de areia, nas quais os monges criam símbolos e padrões com recurso a areia colorida, para no fim da actividade tudo ser destruído e recomeçado numa oportunidade seguinte. O que as mandalas de areia têm de tão maravilhoso, tal como a montagem de Legos da minha infância, é que colocam os bens materiais no seu devido lugar: são ferramentas que desbloqueiam formas de expressão e criação, mas nada mais. Por caminhos análogos, a tua casa é o sítio onde que moras, e desde que ao longo da tua vida exista uma casa para habitares, a que tens hoje não tem de ser preservada a todo custo. Não tens de ligar a uma casa em particular, basta ligares-te ao conceito de teres casa sempre que for necessário uma.
Existe uma vertente de posse mesmo quando só utilizam as coisas sem as aprisionar, mas esta pode entender-se como um "estar ocupado temporariamente". Tudo isto flui e desemboca na questão da acumulação. A posse que se revê na ideia de apropriação de direitos, mais do que ocupação temporária, precisa do conceito de acumulação para vingar. É no particular da acumulação que o destruir a mandala de areia ou a torre de blocos Lego no fim da festa vem colocar o homem perante o grande desafio da contenção da sua personalidade, em particular os seus laivos de egoísmo e territorialismo.
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