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Sobre a tragédia de Borba (ainda), e o milagre invertido da separação das águas de Moisés

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Untitled - Kwon Young-Woo (1985)

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O trágico acidente numa pedreira em Borba situa-se nos antípodas da célebre passagem bíblica em que Moisés separa as águas do mar para o povo o poder transpor. Na versão alentejana separou-se a terra até ao ponto em que o povo foi levado a não mais a poder transpor. Vem isto a propósito de que há mais na Terra quem pense em transpor caminho à custo da possível paragem dos outros, do que em trabalhar para desbravar a passagem para os pares, facilitando-lhes a passagem.

Depois de entrevistadas pessoas relevantes e estudados os ângulos possíveis ao assunto, o milagre de Borba,  a existir, é o de se constatar não haver mais caos no mundo do que aquele que a dimensão das falhas humanas em coisas sérias sugere poder haver. Quando reparamos nas negligências, na ignorância, na mistura de boa fé e comodismo de algumas pessoas imputáveis, do culto nacional à passividade, e o cruzamos com a ganância de lucrar económica ou politicamente com o status quo, piscando ao olho às vantagens do dia de amanhã, é uma total surpresa perceber que o mundo desaba apenas parcialmente quando os acidentes acontecem. Por sorte não há um dominó de derrocadas.

Nos idos de uma civilização menos detentora de meios técnicos e tecnológicos para prever e manipular a causalidade dos seus atos e de alguns fenómenos talvez fosse mais aceitável alegar que qualquer catástrofe só acontece que porque tem divinamente de acontecer. Sem prejuízo da incerteza decorrente das incertas probabilidades de vários desfechos poderem acontecer, não somos nem queremos ser como o povo de Moisés, que dialoga com Deus para aferir o bem e mal. Por cá, o bem conduz não raro ao lucro do homem mais responsável por ele, e para o mal há cadeias de responsáveis que têm de ser responsabilizados nas suas várias formas de prevaricação. Só assim o povo pode continuar a transpor a barreira da impunidade sobre a qual, aí sim, tudo se pode desmoronar em dominó. É o êxodo pela justiça terrena.

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