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Sobre o dom de ouvir os outros

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47543wDfC_w Nunca direi, a alguém que leia livros periodicamente, que não tem o dom de escutar os outros. Quem passa trezentas páginas estático e mudo, seguindo o curso das palavras impressas, não só ouve bem como ouve muito bem.

As pessoas podem ser impacientes no contacto presencial umas com as outras, ao ponto de não se escutarem, mas só a falta de delicadeza poderá explicar que alguém que leia livros não o escute, nunca a inexistências da virtude de auscultar.

Se todos lêssemos mais, saberíamos facilmente que a melhor maneira de proferir um discurso é dando-o a ler ao seu destinatário: eis a via preferencial para se ouvir bem.

Outra coisa completamente distinta é o velcro que age como porteiro do que tem permissão de entrar pelo ouvido e alterar alguma coisa dentro da arrumação da mente, e o que não passa do portão de entrada ou tímpano.

No uso convencional, ouvir bem é permitir a entrada, algo que merece que se pense sobre que variáveis ou critérios se jogam sempre que alguém fala e ao ouvido chega a informação. Atentando no comum hábito de avisar o destinatário da mensagem para prestar bem atenção, talvez a atenção seja uma dessas variáveis. Porém, algo mais terá de existir, visto que a repetição de uma mensagem não garante o seu processamento: há ainda certamente a disponibilidade interna para o fazer.

Sobre a disponibilidade interna muito pouco sei especular, talvez porque o cerébro é o enigma maior que temos pela frente, embora haja quem prefira ir primeiro a Marte ou investigar outras espécies a fundo e ver se estão próximas da nossa. Arriscaria, no entanto, um dos eventuais agentes da disponibilidade interna, que é a hierarquização das mentes: se a minha mente reconhece-se superior à do meu interlocutor, por motivos alheios ao entendimento, talvez a disponibilidade para ouvir seja menor, e as acusações de arrogância possam fazer algum sentido.

Arrogância que, para os que não sabem, é irmã gémea da autonomia de pensamento, mais popular que esta, diga-se, pois é bastante comum chamar arrogante a quem pensa por si e preza cultivar ideias próprias como filosofia de vida. Pela escrita não há arrogância, ouve-se tudo em silêncio, sem interferir na mensagem e por isso não existe maior dom de ouvir como o acto de ler.

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