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Sobre o peso da sobriedade

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Tenho dias de ambicionar aferir o peso da sobriedade, essa força que empurra o homem para o escrutínio do mundo sem convocação de estados mentais inacessíveis ao mesmo sem consumo ou utilização de estímulos e estimulantes externos.

Será o peso da sobriedade igual ao peso do que se perde por não experimentar estados psíquicos induzidos?

Aquilo de que vou apercebendo é que a sobriedade custa a manter-se, porque ela despoleta a lucidez e a lucidez é nada mais nada menos que um fiscal em início de carreira que nada de errado pretende deixar passar em claro. Como justificar a sobriedade quando a lucidez que dela resulta nos faz olhar o mundo com limpidez e causalidade doentia? Como justificar não ter justificações para não proceder correctamente? Como é fácil provocar quimicamente a perda de sobriedade, socialmente ou nem por isso, e depois decidir-se a um temporada de sobriedade por se dar conta do quão mau é não estar sóbrio.

Quando se tem tempo livre, estar sóbrio é dolorosamente saudável. Ter tempo para olhar pela janela e perder tempo com detalhes triviais, poder caminhar na rua e observar os outros sem qualquer tipo de condicionamento mental, ou mesmo deambular por casa e ir dando conta de como a falta de rotinas nos põe tontos.

A sobriedade é analítica, faz parte de uma família de conceitos menos valorizados pela arte, que sempre vai preferindo gente cujo curso mental transborda e galga as margens do óbvio e do lógico. Na música, como na arquitectura, como na poesia, é fácil ser-se ultrapassado e remetido para o caixote da mediocridade por gente que não sente o peso da sobriedade, gente que escrutina o mundo através de perspectivas desumanas, que lhes possibilitam conclusões inéditas e estéticas originais nas formas de expressão convencionais. O sóbrio assumido sabe não ceder a conspurcar-se com a perda de sobriedade, mas vive idolatrando os não sóbrios porque é deles o estrelato.

2 comentários:

  1. Meu caro Marcelo Melo
    Há certas coisas na vida que só podemos falar delas, se já a tivermos experienciado. A diferença entre o estar sóbrio e o não estar é uma delas. E eu, na minha vida, por apenas duas ou três vezes, que experimentei o estado da não sobriedade. E sinceramente, não gostei. Não gostei porque fiquei sem capacidade para fazer fosse o que fosse. É claro que o estado de sobriedade a que se refere é muito mais abrangente do que isto. Especialmente gostei muito do final do seu texto. E acrescentaria que, para muitas das estrelas, em todas as áreas, além da falta de sobriedade, têm muita ausência de responsabilidade. Nunca gostei muito do Carlos do Carmo, mas desde que o ouvi dizer, numa entrevista, há pouco tempo, que o médico que lhe disse que a vida dele tem sido uma luta atroz, porque cinco horas passadas em palco representam duas semanas de trabalho, para qualquer trabalhador, fiquei sem uma pinga de admiração e respeito por ele.
    A falta de sobriedade pode-se revelar de muitas formas.
    Com amizade.

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  2. Caro Poeta do Penedo,

    Certamente que a falta de responsabilidade é uma característica típica dos ídolos de múltiplas vertentes.

    Acredito que hoje em dia muita gente procura a não sobriedade como forma de aspirar a igualar os artistas que elegem como ídolos.

    Outros quererão tão somente cair no estereótipo de um determinado estilo, irreverente, arruaceiro, radical, etc. E para facilitar essa sobreposição entre o que são e o que o estereótipo abrange, eis que avançam para a não sobriedade.

    Como os normais divinizam muitos não sóbrios, o ciclo fecha-se a estabelece-se uma lógica que premeia a não sobriedade.

    Amistosamente,

    Marcelo Melo

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