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Sobre as particularidades de cada língua

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É recorrente ouvir da boca de alguma alma com desejos de surpreender ou parecer interessante, a conhecida alusão à particularidade da palavra “saudade” ser um exclusivo face a outras línguas, porque alegadamente só existe com esta precisão na língua portuguesa.

Pois bem, tão ou mais interessante que este exemplo recorrente, é constatar um outro aspecto em que a nossa língua é bastante específica face à anglo-saxónica.

Esse aspecto que me tem vindo a fazer pensar, é o facto de os ingleses possuírem um verbo que indiferencia coisas para nós tão distintas como são o ser, estar, haver e existir.

Preferiria concentrar-me nos dois primeiros, visto que a sua utilização em língua portuguesa é bem mais intensa no âmbito da língua portuguesa. Quem não diferencia suficientemente bem o que é ser e o que é estar, pode viver num plano de compreensão muito diferente do português.

Se dissermos a alguém que está bonito, que está grande, que está magro, que está diferente, etc, o cérebro português interpretará isso provavelmente segundo uma lógica de transição: para nos dizerem isto, consideram que não estávamos bonitos, grandes, magros há algum tempo atrás. E se o fazem, implicitamente assumem que a variável beleza, altura, magreza é mutável, o que nem sempre faz sentido.

A propósito deste não fazer sentido, registe-se que há questões em que nunca o ser é aplicável, pese embora o estar ser aplicável à maior parte das situações. O ser é guardado para coisas mais profundas ou mais pomposas, como o ser feliz, o ser amigo de, o ser um grande homem, o ser bonito ou o ser inteligente. Confundir ser e estar dá azo a conferir-se mutabilidade a coisas que de todo o não são, o que pode ter implicações bem distintas, se não veja-se o que é dizer a alguém que é feio ou que está feio. Seria interessante compreender como gerem os ingleses a sua imprecisão linguística, se é enriquecimento o discurso com termos complementares que clarifiquem o sentido, ou se este dá azo a mal entendidos com mais frequência do que a língua portuguesa.

Esta indiferenciação, todavia, tem um reverso atractivo, que é a não necessidade de compreender que tipo de fenómeno é do foro do ser e qual é do foro do estar. Não faz sentido servir-se do estar (divertido) quando o ser (divertido) é que se aplica. Muitas vezes o que se altera é a nossa percepção do outro, não o outro. O outro pode-nos parecer estar diferente quando na verdade ele é (sempre foi) diferente.

Nisso teríamos muito a aprender com os ingleses, mas certamente eles também connosco, porque nas diferenças de língua joga-se a compreensão de diferenças culturais e, no limite, a história de um povo.

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