Sugestionado pelos ecos de quem fez a revolução do 25 de Abril e se vê desiludido com o rumo trilhado pelo país desde então, parto também eu para uma reflexão sobre as idiossincrasias deste tipo de ocorrências sociais e políticas marcantes.
Fazer uma revolução na vida que levámos é em si mesmo um enorme desafio. Conseguirmo-nos disciplinar para algo que rompe com que vínhamos fazendo, pensando ou sendo, é uma odisseia. O que dizer, então, da aplicação de uma disciplina ou trajecto semelhante a uma nação e povo.
Olhando para o exemplo das revoluções pessoais e generalizando para o que pode ser a revolução de um país, note-se que o fracasso individual em mudar o rumo de determinado aspecto da vida não resulta da falta de gritos do ipiranga, isto é, da falta de momentos em que se manifesta uma enorme motivação para mudar. Fracassa-se exactamente porque essa motivação, que é do foro emocional, não consegue prolongar-se tempo suficiente para a revolução decorrer.
Qualquer mudança tem a si associado um obstáculo que só depois de verdadeiramente identificado (num primeiro momento)e vencido (num segundo) despoleta a energia para completar mudança por si mesmo, isto é, autoalimenta-se.
Ora na revolução do 25 de Abril, pode muito bem ter acontecido o infortúnio de não se antecipar que o obstáculo não era apenas o derrube do regime, mas também a transição mental das pessoas para os pressupostos da democracia. E nisto, porventura aconteceu o que sucede a inúmeras mudanças que nunca chegam a sê-lo na sua plenitudade: ao sinal da primeira vitória (queda do regime) pensou-se que estava feita a revolução, do mesmo que modo que um indivíduo que começa a correr para perder peso acha que já conseguiu mudar o seu estilo de vida para um perfil menos sedentário ao fim de adquirir umas sapatilhas e experimentá-las na loja ou ao fim da ver escorrer a primeira gota de suor.
Não se conclua destas palavras que derrubar o regime tenha sido um aspecto menor ou de questionável valor. Conclua-se ao invés que uma manifestação para a mudança pode-se fazer num dia mas uma mudança faz-se ao longo do tempo. Quem se desilude com o 25 de Abril incorre em duas alternativas explicativas: ou julga que este foi em si mesmo a mudança da sociedade ou crê que fracassou a identificação de que obstáculo era fazer perdurar o ideal que preconizava essa revolução: liberdade em democracia.
Em suma, e à luz da minha ignorância, as revoluções fracassam diariamente em nós como talvez fracassou o 25 de Abril: persistir é chave o que se quer implementar no tempo, ver é condição para saber como lá chegar.
Olá Marcelo
ResponderEliminarDeixa-me congratular-te pelo texto, porque acho que focaste um ponto essencial, que é característico da sociedade portuguesa. A falta de querer, de motivação leva a que as pessoas se contentem com pouco, caso da revolução do 25 Abril. Apesar de ter sido um grande passo, foi algo de efeito somente imediato e esqueceu-se que depois da revolução no regime, seria necessária a tal revolução da sociedade, a mudança de pensamento essencial para que a democracia funcionasse em plenitude.
Eu diria que devido a essa falta de mudança de atitude, a democracia em que vivemos é uma 'democracia disfarçada' e poucos são os que tentam desvendar esse disfarce.
Independentemente disto, muito respeito tenho por quem conseguiu levar avante e protagonizar essa mesma revolução. Foi um grande feito.
Continua o bom trabalho.
Ivo Pais