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Sobre o desafio intelectual da televisão ***

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Platos Cave - Marcel Dzama (2015)

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Aqueles que atingem um certo patamar intelectual de compreensão, ou que julgam atingir, rebelam-se ciclicamente contra determinados conteúdos que vão para o ar gratuitamente em canal aberto para milhares de pessoas - quando não milhões - que crêem no televisor como o elo que os liga à civilização, e fazem dele a sua janela evolução cultural por excelência.

Reality shows, telenovelas, programas de humor ordinário, programas de excessivo melodrama são exemplos de conteúdos que facilmente podem inflamar uma reflexão sobre o estado da cultura na televisão e do progresso intelectual de um povo.

Há quem diga que não se aprende nada a ver certos programas de televisão. Em sentido figurado aceita-se tal afirmação, mas se a reflexão se quer séria e isenta, então talvez seja errado afirmar-se isto. Alguma coisa se aprenderá.

Para começar, quando um intelectual contempla um programa desses e opina, facilmente cai no erro de admitir que o público-alvo desse programa consegue ver tudo o que ele próprio consegue ver. Mais, cai facilmente também no erro de admitir que é capaz de ver tudo o que o público-alvo consegue ver no programa. São mundos distintos o do dito intelectual e do povo, a ponto  talvez não conseguirem compreender as diferenças que os separam.

As oportunidades de aprendizagem que cada situação oferece dependem dos olhos que a vêem. Quem olha para um reality show e não vê mais do que o prazer decorrente da trama é porque só vislumbra essa oportunidade. Essa trama, por sinal tão prazerosa de assistir (e tão criticável pelo intelectual) pode muito bem ser uma aula ou master class de psicologia, repleta de exemplos práticos e de conclusões "intelectuais", se tivermos arte e engenho para a identificar no ecrã. Em verdade, até pode ser muito mais que isso.

Para quem se crê intelectual, o significado óbvio e trivial das coisas não chega. Há camadas por descobrir e o limite reside no próprio indivíduo, na mente de cada um. Para quem não é, esse significado óbvio é o que melhor serve o estágio mental da pessoa, o que não implica que aqui e ali não tire também conclusões úteis e "intelectualmente" nobres, que lhe enriqueçam a vida e a façam evoluir. Pode ser uma questão de frequência com que se aprende e se acede ao útil, e não uma questão de conseguir ou não conseguir,  em absoluto, lá chegar.

Da maioria das opiniões dos intelectuais depreende-se que seria melhor abolir esse tipo de conteúdos porque são triviais. Pois bem, estariam eles dispostos a obrigar o povo a ficar amarrado ao sofá a ver outra coisa mais elegante em termos culturais? Aposto que ficariam eles sozinhos a ver esses conteúdos que preconizam, enquanto povo ia para os cafés falar do mesmo tipo de coisas que os reality shows tratam. Para melhorar a cultura das pessoas e o seu intelecto é preciso mais do que abolir da televisão programas assim.

Publicação original: 04-02-2011 
Revisão: 27-03-2017

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