"Vocês não imaginam o que é estar sentado num carro completamente às escuras, onde os transeuntes julgarão que cochilo feito Tutankhamon em seu sarcófago, e tudo isso ser um devaneio imaginativo porque, na verdade, tenho um livro sobre o colo e uso o volante como calçadeira lombar que dá o ângulo adequado a que os meus olhos palmilhem linha após a linha o conhecimento encerrado nas páginas que elegi para leitura. A prática da leitura à noite é compaginável com contextos completamente fora dos trâmites estereotípicos da leitura na cama, ou na poltrona da sala. É que para ler, basta querer fazê-lo, saber fazê-lo, ter o que ler, e ter a luz necessária. Ora a iluminação pública é tão luz como a luz de casa, com a grande vantagem de que não se paga em proporção ao tempo que o candeeiro fica ligado. No que concerne à iluminação pública, ela está ali, noite após noite, quer eu apareça quer não, e como que sussurra aos ouvidos do mais afoitos: “faz alguma coisa comigo, valoriza-me, dá-me utilidade. Estou aqui por ti e para ti.”. Este é o meu segredo, que espero que constitua semente para experimentardes ler qualquer coisa dentro de um carro à noite, deixando-vos a vós intencionalmente na penumbra e permitindo aos feixes luminosos incidir sobre o livro para lhe libertar a essência, que se desprende então como um génio encerrado numa lâmpada mágica."
trecho do projecto literário T.T. (em desenvolvimento)
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