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Sobre a atribuição do Nobel da literatura a um músico, e a necessidade de repensar a arte de escrever e cantar

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Imagem:  No. 76 Spectacle Lamp - Studio Job (2014)

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A atribuição de um galardão convencionado como o Ex libris da literatura mundial a um músico histórico no panorama ocidental, abriu um precedente que uns consideram ser doloroso e outros auspicioso. Mais do que discutir o músico e sua mestria, quer-me parecer que esta inesperada atribuição vem convidar-nos a reflectir sobre o que entendemos pela arte literária, nomeadamente o perigo de a fazer refém do comércio de livros.

A atribuição deste prémio sinaliza uma quebra de convenção: literatura não são livros, literatura é a arte da expressão escrita, e esta "my friends is blowing in the wind". Escrever pouco não é escrever menos. Escrever letras de músicas e fazê-las tocar a vida das pessoas, ou transformá-las, não é um feito menor. Mais, interpretar uma letra de música que se escreveu, tal como quem declama um poema com a emotividade projetada, é um teste de fogo à genuinidade com que nos exprimimos e chegamos aos outros.

Também para a arte musical este prémio é um convite à reflexão: nas costas ficaram décadas que popularizaram a verborreia urbana de guettos e, mais recentemente, o sacrifício e esterilidade da letra musical em detrimento da batida e do brinquedo sonoro. Com isto foi-se atenuando a nobreza de ter vozes talentosas a cantar algo que mereça ser ouvido, algo genuíno e belo. Assim, este reconhecimento é um brinde a todos aqueles que, tendo escolhido a música como a sua arte, não se deixaram cair na mediocridade de passar a encarar a letra musical como um mal necessário para se produzir música e fazê-la chegar a um público.

(Por tudo isto saúdo este prémio com a satisfação de quem vê um porteiro ser cutucado, acordar, e passar a prestar mais atenção à sua envolvência.)

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