Os reinos da espirtualidade, tipicamente traduzidos na forma de religiões ou de associações catalogadas como seitas ou bandos, deparam-se invariavelmente com problemas de coerência decorrentes do desafio da plasmação prática dos preceitos espirituais que preconizam. É que a operacionalização de uma fé, doutrina ou ideologia implica o alargamento da teia de relações e causalidade à complexidade do mundo real, mundo esse que carece de uma leitura e interpretação (ou seja, construção de perspetivas) unívoca, cenário que se torna pródigo em erros de posicionamento e impossibilidades de consensualidade.
Esta convicção foi particularmente bem cristalizada após visionar o documentário Wild Wild Country, em torno a comuna norte-americana Rajneeshpuram, construída de raiz para albergar o guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh (Osho) e seus seguidores, e fundada numa remota localidade do estado do Oregon. Naquela que foi algures chamada de experiência social com vista a provocar um despertar de consciência nos EUA, esta comunidade cresceu sobre regras morais próprias e numa lógica de autonomia e sustentabilidade, mas rapidamente colidiu com a envolvência - as comunidades locais - que não partilhavam os mesmo valores e que a viu como empecilho.
Da paz à guerra é uma questão de muito pouco tempo, e nem aqueles que tentam plasmar na Terra preceitos espirituais pacifistas conseguem, em verdade, fugir à inevitabilidade de que a Terra é por norma palco da imperfeição e das consequências dessa imperfeição. Osho e a experiência de Rajneeshpuram, pese embora os vários erros cometidos, ficam para a história como uma bem sucedida experiência social centrada na partilha ideológica da espiritualidade, que mostrou como uma comunidade consegue sentir-se livre mesmo não estando sempre em democracia, desde que os ideais fundacionais sejam genuínos e prevaleçam na maior parte do que se pense, diga ou faça. O resto é ruído, política, e luta de egos.
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