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Sobre a floresta de Babel, e em como os incêndios são o exemplo da falta de concórdia em Portugal

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Ampulheta - Isaque Pinheiro (2013)

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Os incêndios são a Torre de Babel portuguesa. Não só porque alcançam dimensões e escalas que alcançam os céus, mas também porque pura e simplesmente ninguém se entende. Lavra o fogo dias a fio num local e temos horas e horas de pontos situação, declarações políticas, debates com individualidades especialistas ou bem-falantes, e opiniões em direto de cidadãos indignados ou assustados.

A complexidade do assunto dificulta que desse caudal de informação se consiga espremer um sumo coerente, inequívoco e certeiro, capaz de agradar ou tranquilizar a toda a gente. Reza a história da Torre de Babel que Deus terá deliberado que pessoas que falavam a mesma língua passassem a falar línguas distintas, o que desencadeou um enorme problema de entendimento e consenso entre os mesmos homens. A questão que se coloca é: não estaremos também nós, portugueses, a falar deliberadamente línguas distintas só porque não somos capazes de falar uma só?

Pela floresta portuguesa a mãe Natureza tem vindo a autoinfligir-se danos na sua epiderme, os quais são depois objeto das mais variadas e acaloradas discussões, desde a gestão das espécies vegetais à gestão das corporações de bombeiros, da eficácia dos meios aéreos à necessidade de assacar responsabilidades políticas e corporativas. Tal como a Torre apontava os homens ao céu - quando o seu lugar e enfoque natural é a Terra - também os fogos deslocam os homens para fora da concórdia e da cooperação sincera que cidadania partilhada lhes deveria incutir. Não é preciso queimar tudo e todos, sem apelo nem agravo, para se poupar a floresta do fogo. Talvez o desafio verdadeiro que o fogo nos suscita enquanto povo seja o desafio da concórdia.

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