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Sobre touradas, e a genealogia de formatos de entretenimento em torno de duelos causadores de êxtase ou sofrimento gratuitos

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 Plaza de Toros 13 - Hiroshi Watanabe (2000)

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Embora seja um progressista e um adepto da busca incessante por melhorias de compreensão sobre os fenómenos do mundo e sobre o papel do homem nos ecossistemas em que participa, sou forçado a admitir que existe património civilizacional condensado na forma de traços culturais e que estes, se ancestrais ou ditos históricos, merecem a mesma consideração e respeito que a vida de um avô ou bisavó merecem, pese embora estas terem sido bastante diferentes da nossa vida em termos de entendimento moral, científico, social, político, etc.

Acredito que as arenas de tourada são da árvore genealógica das arenas romanas em coliseus, e encontram na atualidade descendência em arenas de futebol com exatamente a mesma função. Na modernidade é homem contra homem, sem direito a violência física ou moral, e tentando ganhar pela vantagem técnica, seja física ou intelectual, na leitura do duelo e execução de uma estratégia para o vencer. Porém, o legado pré-desporto colocou porventura as touradas com idêntico propósito mas sem o desconforto da convivência natural com o risco de morte, a ação militar ou bélica pelas próprias mãos, e de uma relação platónica na forma como os animais participam no raio de ação humano.

Posto isto, embora não me reveja de forma nenhuma no rito que representa a tourada, temo que legislar-lhe uma proibição é renegar arbitrariamente um legado que, a ter de cair, deveria desvanecer-se por falta de adeptos e não por força de um súbito autoritarismo ideológico progressista. Afinal, algo no ritual da tourada continua a existir na sociedade de hoje, quer porque gostamos de confrontos que produzem idêntica chance de êxtase ou sofrimento, quer porque muito do nosso entretenimento, turismo e afirmação decorre de imagens, memórias ou construções onde homens ou animais sofrem ou sofreram maus tratos desnecessários e condenáveis a troco de se arriscarem num duelo para provar algo em que acreditavam ou queriam demonstrar.

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