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Sobre o documentário 'Reconnect', o consumo de Ayahuasca, e a indução de rota de colisão com o próprio percurso existencial

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Control C - James McNabb (2017)

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Assisti há dias ao documentário Reconnect, no qual o narrador Brian Rose faz um retiro espiritual na Costa Rica para consumir Ayahuasca, uma bebida ancestral psicoativa que permite uma experiência de rompimento com a identidade e todos os condicionalismos culturais absorvidos, levando a pessoa a perturbar-se perante aquilo que se poderá qualificar como consciência aumentada, um estado de estravasamento emocional e mental.

Qualquer oportunidade de autoconhecimento é sem dúvida uma experiência meritória, mas há perigos em adulterar a psique para alcançar esse tipo de aprendizagem. O primeiro perigo é que consumir psicoativos potentes desencaixa-nos física e quimicamente da realidade, e esse desencaixe não acontece sem danos colaterais. A iluminação proporcionada por uma visão transcendente colide habitualmente com a impossibilidade de que o mundo em redor coincida com essa perspetiva. A falta de alinhamento do mundo com a nova visão frustra aqueles que julgam estar perante o dom da perspetiva e a querem implementar no mundo.

Finalmente, aquilo que em Reconnect aparenta ser um desejo de despertar da consciência global para a mesquinhez dos egos, tem um desfecho efetivo muito claro: induz o próprio Brian Rose a entrar em rota de colisão com o seu próprio percurso existencial, a ponto de ter de se empenhar para se realinhar com a sua identidade. Neste aspeto não pude evitar estabelecer a relação com a leitura recente do livro de António Damásio, onde se defende que a civilização e a cultura são invenções que promovem o bem estar humano (homeostasia), mesmo que não pareça. Por fim, Reconnect recorda-me também uma frase de Miguel Torga que há muito me acompanha, e que diz qualquer coisa como 'a virtude terapêutica da fonte, passa muito pela certeza de sede de quem a procura'. Reconnect é exatamente isto, um homem, a sua certeza de sede, e o elogio à virtude da fonte.

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