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O livro Casos do Beco das Sardinheiras reune várias características capazes de lhe auspiciar uma má crítica ou até um esquecimento indiferente: é um livro de contos, é um livro pequeno, é um livro com um algum grau de fantasia, é um livro repleto de comicidade, e é um livro sobre pessoas mundanas em vicissitudes mundanas. Ainda assim, é um notável livro, desde logo porque o seu autor, Mário de Carvalho, soube polvilhá-lo com personagens credivelmente reais que se envolvem em situações implausíveis, revelando nestas toda a sua idiossincrasia de bairro e cultural, sobre a qual o livro cumpre o seu busílis.
As pessoas mais simples encontram soluções onde a sua ignorância deveria causar bloqueio, e encontram problemas que mais não são do que manifestações do imaginário que lhes trabalhe na psique. Mário de Carvalho tem o mérito de somar neste livro, tal qual Torga soma em Contos da Montanha, um manancial de personalidades que são fruto do próprio local e nicho cultural que habitam. Só que fá-lo conciliando um clima divertido com uma erudição inesperada em casos tão corriqueiros. Talvez seja neste equilíbrio que more um dos méritos maiores do livro.
Depois há o efeito de conjunto, o conseguir operacionalizar nas diferentes história a ideia de um bairro com pessoas que, falando com termos característicos ou formas personalísticas caricaturais, oscilam entre papel principal e papel secundário em função daquilo que é o viver os dias, onde o azar ora bate à minha porta ora bate à tua, sendo que cá estaremos em ambos os casos para apreciar e resolver coletivamente o que cada novo dia traz a cada membro seu. Esse sentido de comunidade citadina evidenciado pelos vários vizinhos do Beco das Sardinheiras exorciza os confins do cidadão cosmopolita inimputável ao que acontece em seu redor, tão característicos das grande metrópoles.
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