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Sobre o filme 'O Curandeiro', e uma pungente história verídica polaca que mostra como o saber é também capaz de conferir (e restituir) identidade ao homem

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Nem sempre Os filmes recomendados por conhecidos proporcionam de facto bons momentos de cinema. Nesta linha de pensamento, confesso que comecei a ver O Curandeiro (direção Michal Gazda) mais por cortesia do que por motivação própria, cativado ao de leve por se tratar de um filme de época e também por ser filme polaco, combinação inédita para mim na sétima arte. Este filme é inspirado numa história verídica e conta a história de um pioneiro neurocirurgião (Rafal Wilczur, interpretado por Leszek Lichota) que se vê envolvido numa tentativa de homicídio que o deixa com mazelas severas, nomeadamente uma amnésia profunda. O grosso da trama passa pela recuperação da sua identidade pessoal e pela restituição da sua família, mais precisamente o reencontro com a sua filha (Maria Jolanta Wilczur, interpretada por Maria Kowalska). 

Este filme revelou-se para mim uma quasi obra-prima e por isso merece toda a recomendação da minha parte. Não apenas a recriação histórica é amplamente rica nos cenários e adereços, cobrindo opostos como os meios urbano e rural, e as classes aristocráticas e aldeãs, como também o é na evidenciação das bases populares da cultura polaca, através de um elegante encaixe da história nos usos e costumes característicos do povo e do tempo histórico em que ação se passa. Há uma profusão de beleza e harmonia em várias passagens do filme, e o efeito de intensidade junto do espectador não é alcançado pela agudização insensata de passagens propensas ao trauma ou violência. O filme consegue demonstrar que a vida flui ainda que com problemas existenciais a incidirem em pano de fundo, sem  impedir os pequenos e banais momentos que ocupam o quotidiano.

Como proteína para reflexão, O Curandeiro suscita o tema do currículo e prestígio individual como a base social da acreditação profissional, a qual é a antagonizada na história pelo crime de charlatanismo. O amnésico Wilczur, que não recordava a sua identidade nem a sua profissão de aclamado neurocirurgião, recuperou ambas através da demonstração de competências técnicas e científicas que desconhecia em si,  mostrando que a prática e o conhecimento demonstrado em momentos-chave são capazes de (re)conquistar reconhecimento público independentemente do diploma que lhe subjaz. O saber não ocupa espaço - costuma-se dizer - e este filme mostra que o saber é também capaz de conferir identidade ao homem.

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