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Sobre o alavancar de uma vida dissociada da matriz religiosa, e a noção de que os filhos dessa decisão vivem processos experimentais que importa atentar e corrigir onde necessário

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O afastamento de práticas religiosas liberta o homem dos esquemas ideológicos e comportamentais com que estas procuram domar e serenar a vida humana. As vantagens dessa liberdade são de vária ordem: menor compromisso com rotinas consumidoras de tempo (oração, missas, catequese, festas santas); dispensa de contacto com mitologia/alegoria antiquada e/ou contranatura (santos, milagres, profecias); valorização da vida contemporânea com a sua complexidade e idiossincrasias; via aberta para personalizar um quadro moral e de conduta alternativo àquele doutrinado.

Porém, essa liberdade não comporta apenas vantagens. A falta de uma religião acarreta responsabilização individual total pela educação/conduta moral. O suprimir determinados mecanismos que obrigam à reflexão, à misericórdia, ao perdão, à fé, à comunhão coletiva, deixa um vazio que pode não ser sustentável para a concórdia, harmonia ou felicidade interior. Não me espantaria que o boom de livros e programas de autoajuda se deva em significativa medida ao vácuo criado pela dissolução da via religiosa na sociedade. O mesmo quiçá para tanto acompanhamento psicológico regular e para o sucesso dos serviços de coaching. Quem acode às preces dos que não têm Deus?

Tenho estado especialmente vigilante e pensativo no que a supressão de religião pode implicar para os filhos de pais que tenham assumido essa rutura. Se os pais preservam em si a noção do dentro e do fora, permitindo-se estabelecer comparações entre o caminho passado acompanhado da religião e o caminho presente desacompanhado, de cidadão livre e plenamente responsável pela sua conduta, o mesmo não se pode dizer dos filhos que desses casais advenham. Estes nascem já totalmente fora do circuito religioso, e crescerão apenas com o padrão do cidadão livre e plenamente responsável pela sua conduta. Faltar-lhes-á alguma coisa nessa experiência não acolitada por doutrinas evangelizadoras? Julgo que a dúvida deve manter-se viva para que os pais dessas crianças possam não esquecer que estão a presidir a uma experiência social (possivelmente sem precedentes) ao desvincular os filhos da matriz em que foram eles próprios criados e da qual se dissociaram mais tarde. Não creio que haja alguma coisa a temer só por si, julgo é que deve ser mantida consciente essa responsabilidade de deter na íntegra a construção do padrão moral alternativo dessas crianças. É por ora um estado ainda experimental da sociedadeque naturalmente requer acompanhamento e expedita correção de bugs.

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