Procurar:

Sobre a experiência de ler entrevistas a escritores ou de ler os escritos desses mesmos escritores, e a prova de algodão quanto ao deter uma voz literária de exceção

Share it Please
Six Cut Out Heads - Richard Hambleton (2017)


No último ano aproximei-me da leitura de entrevistas publicadas a personalidades públicas e, de entre o rico leque de profissões, entretive-me com especial curiosidade com entrevistas a escritores. As entrevistas têm a grande vantagem de permitir conhecer pontos de vista e idiossincrasias de um modo acelerado, pois quem responde sabe que após cada pergunta virá uma outra e como tal as respostas produzidas revestem-se de maior pragmatismo. Com isso o leitor é poupado a divagações e a desequilíbrios na distribuição dos assuntos.

Não obstante estas importantes vantagens que aprendi a prezar, volvidas várias leituras deste tipo chego à conclusão que embora sejam em regra geral interessantes, os escritores aclamados não conseguem corresponder comunicacionalmente em entrevista à qualidade que lhes reconhecemos nos textos, o que para mim é uma prova de algodão de que as obras que produzem resultam de um esforço que não lhes é natural. Esta inferência é-me importante à luz da ideia um tanto generalizada, de que os escritores de carreira são pessoas predestinadas, constantemente inspiradas e com uma relação privilegiada com a língua em qualquer formato. Esta ideia contrasta de resto com o que vários escritores vão revelando também nas entrevistas, quando falam do processo doloroso e de resiliência necessário para a criação e acabamento dos seus livros. Talvez por isso bastantes deles não mais releem os livros que tanto esforço e consumição lhes provocaram até conhecerem a luz do dia.

Não serve esta análise para desacreditar os grandes escritores no seu tremendo talento de escritores de ficção só porque não produzem entrevistas com o mesmo mérito e criatividade comunicacional que as suas obras de ficção evidenciam. Permite, ao invés, pensar em todos aqueles que se tentam afirmar como escritores de ficção e cuja oralidade e comunicação rotineira correspondem à mesma qualidade linguística daquilo que publicam enquanto ficção. Sobre estes últimos, por esse paralelo entre a linguagem corrente e o patamar da sua voz literária, poder-se-á dizer que produzem livros mais iguais à pessoa que são, mas o mesmo é dizer que não mora neles uma pessoa literária em potência capaz de os fazer transcender a mundanidade. Tal facto dirá muito sobre a familiaridade dos escritos junto dos seus leitores, mas marca uma vital diferença para grandes escritores de ficção, que da sua oficina cunham escritos que transcendem a matriz comunicacional acessível a todos, inclusive à dos próprios quando sujeitos ao formato de entrevista, de pronta resposta.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...