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Sobre um blackout ibérico por um dia, a eletricidade como bem básico, e um mundo cada vez mais batizado contra a calma

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Blackout - Catheris Mondombo (2021)


Há coisa de um mês e meio a ibéria apagou-se eletricamente durante um dia, e tudo o mais foi sobreviver à falta desse bem básico de que hoje também precisamos como do pão para a boca: eletricidade. Ter de descortinar se há heresia neste entendimento é obrigarmo-nos a trilhar o caminho do que se entende por básico e do que se entende por alimento. Não o vou fazer, insisto em que a eletricidade é, no ano de 2025, um bem básico sem o qual a humanidade regressa ao equivalente às cavernas, senão mais atrás ainda por falta de preparação até para o tempo das cavernas.

O que, sim, mais me apraz refletir é a velocidade com que efemérides insólitas surgem e se debelam todas as semanas, a um ritmo frenético e incessante.  Nem é só a ideia de um mundo em constante mudança, é um mundo em revolução permanente, ao ponto dessas reviravoltas serem o normal e não a exceção. O que interessa o estado do tempo há 15 dias? Tanta água já correu debaixo das pontes desde então. O que interessa o estado do tempo dentro de 15 dias? Há tanta água para correr debaixo das pontes até lá!

Não mais haverá tempo para esperar e creditar a um profeta um total de 32 anos para operar uma revolução na relação do homem com os seus semelhantes e com o mundo. Hoje ele nem 32 minutos terá, ou para os ter, terá de conquistar (e pagar) por atenção coletiva.

Só pelo travão causado por efemérides causadoras de dor ou desespero pode a mensagem salvífica ainda penetrar e provocar impacto neste mundo tão batizado contra a calma. Fora disso o turbilhão diário, a disputa incessante do tempo na forma de atenção e desatenção, de fôlego cognitivo para compreensão ou desacreditação, do tanto de realidade que nos é ampliado e gratuitamente dado a dissecar, esmaga penitências, contrições e memórias inesquecíveis.

Este é o mundo indigerível por um estático e sucinto evangelho à moda antiga, um mundo onde o próprio Deus há de gastar um colossal quinhão de eletricidade só para se inteirar de tudo, fazer follow up, e encerrar para balanço o processador todas as noites. E a pergunta que não quer calar: o que é o saber estar num cenário destes? Seguir sempre e nunca travar? Travar quando nos couber em sorte uma grande missão que abdique sem pudor tudo o resto? Qual é a bússola e o sextante dos nossos tempos? Será elétrica, artificialmente inteligente, nuclear, quântica?  Este é sem dúvida um mundo rendido ao ritmo, e último que apague a luz, mas só por um dia.

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