Apesar do tempo de humanidade que nos precedeu em muito superar a escala da nossa vida, décadas de vivência são temporalidade suficiente para testemunhar alterações tanto na sociedade como em nós mesmos, qual produto evolutivo da experiência individual e coletiva, da maturação de potencial cedo suspeitado ou fortuitamente aparecido já com a nossa carruagem de vida em andamento.
O registo do pensamento esbarra cada vez mais na trivialidade do ato, já não só pela profusão de postos emissores que a rede mundial digital cedo permitiu constituir, mas ainda mais agora pela substituição da palavra escrita e do ato reflexivo que a precede, pela concorrência da imagem em movimento e comunicação em discurso direto, espontânea e a quente quanto ao conteúdo. Não obstante, o registo por escrito do pensamento faz-se tão ou mais necessário do que décadas transatas, pois o seu mérito é constituir oficina de criação e esclarecimento de ondas de dúvida ou frémito interior, e com isso apurar naquele que escreve (e expetalvemente naquele que o lê) uma convocatória para uma vida mais esclarecida e pejada de sentido.
Deparamo-nos nesta fase com a emergente vertigem da inteligência artificial, que nos convida a desistir de mais e mais consumições mentais em detrimento de facilidades responsivas que esse instrumento se propõe realizar com ou sem procuração assinada, com ou sem respeito pelos direitos de autor. Por muito oculta e não auditada que permitámos que seja, a máquina ecoará só o que o reservatório de combustível contém e permite, e este acervo só contém o que lá foi e é despositado de novo. Sem conteúdo original, o que sai dessa fonte são receitas feitas sempre ingredientes cada vez mais gastos porque parados no tempo. Não se desista, pois, de continuar a produzir ingredientes intelectuais originais, sejam reflexões, sejam trabalhos técnicos, sejam criações artísticas, porque continua a não haver substituto para o trabalho novo, disciplinado, sério e honesto.
São estes os votos que reafirmo para mim e para o leitor, ainda que só eu saiba a que custo regresso a eles quando as circunstâncias de vida apelam e incitam à desistência de me recompremeter com semelhante missão. Há qualquer coisa de superior nesta empreitada, e é essa a estrela do firmamento que me continua a guiar.
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