O filme “O Fantasma da Liberdade”, do espanhol Luis Buñuel, é contemporâneo da revolução dos cravos portuguesa, e completa no ano em que este texto é escrito uns redondos cinquenta anos de existência. Foi para mim um achado, visto que não só o desconhecia como desconhecia o seu diretor, conviva de Salvador Dalí.
Personifica um invulgar exemplo de surrealismo cómico no cinema, destacando-se também por conseguir alcançar o surrealismo sem recurso a efeitos especiais paranormais, antes com encadeamentos ilógicos ou anacrónicos de cenas mundanas.
Acontece que o filme não é nada datado apesar de ser cunhado com inúmeros elementos de época que o podem afastar de um espectador mais sedento de contemporaneidade ou high-tech. Não obstante, o filme é interessante nos tempos atuais onde a inteligência artificial parece criar e recriar cenas repletas de associações inusitadas e surreais até. Neste caso, tudo decorre de criatividade humana, sendo surpreendente ver na sétima arte o que, em Salvador Dalí, nos parece natural encontrar em tela.
Destaco como especialmente prazerosa a cena em que se inverte a lógica de fazer refeições em público e de excretar em privado, pelo enorme choque cultural causado face às normas sociais mais básicas, assim como destaco a estonteante cena de ilusão de ótica do inspetor de polícia, que sai para almoçar, prevarica, é preso e levado à presença do inspetor da polícia, que já não é ele próprio, mas uma outra pessoa.
Ao belo desfecho do visionamento assiste favoravelmente a falta de um ator inequivocamente principal, assim como de algum erotismo, verificando-se uma permanente dinâmica e magistral amálgama de situações encadeadas por cruzamentos fortuitos entre personagens que começam como secundários e terminam como principais.
Fica na retina um intenso interesse por encontrar mais amiúde propostas deste criador e de cinema tão aliciante como “O Fantasma da Liberdade”.

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