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Sobre o escrever em terceira pessoa

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416466BHJF_w No âmago deste acto de escrever que tanta vezes aqui ponho em prática, subsiste uma apetência de tranportar as exposições escritas para o impessoal campo da terceira pessoa do plural, que subtrai o sujeito às frases a tal ponto que quem escreve não se expõe mais do que o faz quando assina no fim.

O essencial quando se redige sobre qualquer tema que aborde assuntos relativos a seres humanos e algum grupo de seres humanos, desconsiderando a estrutura linguística, é mediar a vontade de expressar livremente o que se pensa, com a deselegante, invasiva e snobe postura de se exteriorizar a qualquer assunto, de se excluir aos pontos apresentados, como se, uma vez consagrado à escrita, o autor seja o único, na sua análise, que é capaz de olhar os assuntos de fora, sem que eles o incluam, sem que ele próprio seja agente desses assuntos e possa sofrer consequências deles. Um fenómeno parecido com o ver as coisas que estão no lado cá como se no lado de lá da rua estivessem.

Indo um pouco mais longe nesta perspectiva, talvez esta terceira pessoa do plural seja defensiva para o autor, sob pena de, ao se servir em exclusivo da primeira do singular, quem esteja a escrever não mais seja o autor, enquanto figura abstracta, mas antes o escritor, sujeito físico, mais toda a imagem pública que tem perante os seus leitores.

A crítica nessa terceira pessoa pluralizada de que falo, evita que se confunda a crítica com o crítico, e que se leia o texto a pensar no crítico que lhe deu origem, o que, convenhamos, é colocar o escritor em constante risco de condenação, numa constante sujeiçao à análise, qual desconfortável posição, que só não é evitada naquele tipo de publicações a que se convenciou chamar de diários, e que, por não serem para outra leitura que não a do escritor, não se perde nada em que autor e escritor se fundam numa mesma entidade redactorial.

Eis uma breve luz sobre a forma de escrever que reina neste espaço, que assim amaciará o eventual desconforto de não se perceber o porquê do seu uso.

4 comentários:

  1. Está então você a dizer que não gostava da forma como o Jardel falava..."o Jardel jogou bem...","o Jardel marcou dois gols"...Boas Entradas!!

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  2. ELES, que moram do outro lado da minha rua, carregam ás costas a responsabilidade das minhas convicções, que EU, deste lado da rua,exponho. EU, confundo-me na multidão que ELES formam...
    Este texto necessita de uma análise profunda, porque a mente que o escreveu é de uma subtileza impressionante.
    Parabéns.
    Que 2009 venha intenso de luz, a luz que algumas mentes são capazes de absorver para se tornarem brilhantes. O Marcelo Melo já é uma mente brilhante. Sinceramente.

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  3. Caro Kramer,

    Talvez nessa tua tirada cómica consigas tocar num ponto chave da questão: a minha passagem pelo Brasil influenciou certamente não só a pessoa que hoje sou como também a minha escrita.

    Até breve,

    Marcelo Melo

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  4. Caro Poeta,

    Do ponto de vista optimista poderei pensar que, se o texto necessita de uma análise profunda, é sinal de que nele condenso uma mensagem complexa cuja apreensão não é imediata. De contrário, poder-se-á pensar que o texto reveste-se de uma confusa exposição da ideia, e como tal ser necessário discorrer muito, porventura até supor alguma coisa, para que seja devidamente entendido.

    Não fosse a subsequente frase e estaria ainda a perguntar-me em qual das perspectivas acreditar.

    Cumprimentos,

    Marcelo Melo

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