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Sobre a disciplina e a democracia

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350867oTvs_w Com o advento da democracia, da preocupação com a ética como forma de demonstrar civilidade, perdeu-se muita rigidez na educação e ensino, sob o pretexto de ferir ou perturbar o saudável desenvolvimento das crianças. Um exemplo disso é a discussão em torno da legitimidade dos pais darem umas palmadas nos filhos como mecanismo de correcção.

Gostaria de associar esta flexibilidade na educação e ensino, suportada por estudos, relatórios e dados estatísticos, à manifesta indisciplina que reina na existência de muita gente, da qual não me excluo.

O sentido de dever não domina a personalidade, pelo que, perante uma situação em que não exista manifesta obrigação, dificilmente qualquer jovem de hoje não cairá no ócio. A falta da disciplina enquanto tónico do espírito que conduz à responsabilidade e sentido de obrigação interno, tem por resultado a dependência de estímulos externos para que as coisas se façam, surjam, concretizem.

Numa sociedade eminentemente disciplinada, os prazos são cumpridos porque o trabalho foi bem repartido pelos dias disponíveis para a sua concretização, não porque se fez uma directa na véspera e se começou a trabalhar no assunto escassos dias antes.

Reconhecer isto representa uma tristeza para mim, visto que também eu sou exemplo deste cenário tão pouco condizente com a excelência que devemos procurar atingir. Resta-me especular se não é esta uma consequência do amadurecimento democracia, no particular ser inconportável com qualquer solução rígida e tender sempre para os meios termos, com medo de que se esteja a ferir as liberdades e garantias dos cidadãos.

Cumprir horários, não ceder a vícios, comportar-se com apuro, sacrificar-se pela causas e deveres, tudo exemplos de onde está a faltar disciplina. Estes meios termos com que vamos condimentando a educação e o ensino abrem alas para uma difusa mentalidade adulta de extremosa mediocridade, a qual poderá ser contrariada através de pontuais capacidades específicas que se emancipem da generalidade.

Este ócio em que caimos justifica-se obviamente pelo gozo que dá, pela fuga da mente para o prazer, mas é como um fruto proibido, uma indevida libertinagem que testa diariamente a disciplina adquirido depois de anos a fio de educação e ensino democráticos e eticamente provectos.

3 comentários:

  1. Caro Marcelo Melo
    Com esta sua perspectiva sobre a disciplina na vida de cada um de nós, reúne excepcionais condições de vir a ser um bom pai.
    O saber dizer «não», sempre que a educação de um filho o exiga, embora seja difícil de colocar em prática, é fundamental. O facilitismo não é boa escola. Não quero dizer com isto que se devam criar dificuldades aos nossos filhos. É claro que não. Isso é indiscutível. Mas quando as suas necessidades vão muito para além do razoável, é preciso que eles aprendam o valor das coisas. Só assim, nós, os pais, lhes criamos mecanismos mentais que possam usar para vencer as dificuldades da vida.
    E uma boa educação passa também por lhes incutir disciplina.
    Uma pessoa disciplinada é uma pessoa com orientação.
    A sã democracia não é uma negação à disciplina, porque se o fosse não seria democracia, mas antes anarquia, que tende esta a desenhar-se no panorama social português.
    Muito havia a escrever sobre esta questão, que é complexa e delicada.
    Termino dizendo que o serviço militar é um foco disciplinador. Teve esse efeito sobre mim. Quando se deu o 25 de Abril, eu era um jovem de 18 anos. Pode-se imaginar quanta rebeldia a liberdade suscitou no sangue quente de jovens como eu. A tropa serviu para me fazer ver que a vida em sociedade tem de se basear no respeito mútuo.

    Parabéns pelo seu ponto de vista.

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  2. Caro poeta,

    Preocupa-me verdadeiramente a repetição de casos em que se discute a legitimidade da reacção e não a raiz do problema, e a democracia é pródiga nisto, pelas liberdades que confere.

    O polícia alveja o ladrão e é o agente crucificado, o professor dá uma sapatada no aluno e os pais indignam-se. Este zelo excessivo conduz-nos para o caminho do meio termo, em que tudo é discutível, deixando de existir referências na sociedade.

    Marcelo Melo

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  3. Nada há mais belo do que uma sociedade livre: liberdade de expressão, liberdade de acção...desde que a liberdade a que consideramos ter direito não crie limitações à liberdade dos outros. Se tal acontecer, passamos nós a ter a exclusividade da liberdade, e como tal transformamos a liberdade em autoritarismo. Assim nascem os ditadores. A democracia é o viver numa sociedade justa, em que há direito à crítica concomitantemente com o respeito.
    Ser livre, antes de tudo, é compreender que os outros também têm direito à liberdade. É compreender o papel que cada um tem na sociedade, é perceber a função de cada instituição. É sabermos que o direito ao direito passa pela responsabilidade do dever. É sentirmos que quando reivindicamos, o podemos fazer em pleno direito, porque pelo dever que já cumprimos a isso temos direito.

    Cumprimentos

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