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Sobre a morte enquanto viagem

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26652_w Cristãos e islâmicos partilham um conceito de morte parecido. Para isto basta pensar na forma como projectam a morte como uma viagem ou travessia para parte incerta. Indendentemente de se acreditar na ida para o céu ou para um harém repleto de virgens, subjacente ao enredo persiste e crença quede que a morte é uma jornada.

Se a morte for encarada simplesmente como a não-existência, deixando de parte este artíficios de natureza religiosa, julgo que, para os que ficam, a saudade e a pena são mais fáceis de controlar.

Chorar a morte enquanto uma ida para o céu dá uma componente muito mais humana, torna-a inteligível e permite que insconscientemente se acredita de alguma maneira que a morte é relativa. Pelo contrário, chorar a morte enquanto oposto da existência, pensada desta forma crua que não introduz narrativas, é somente a tristeza da constatação do absolutismo do fenómeno.

A ida ao cemitério diz muito aos que acreditam na ida para o céu, talvez por representar como que a estação ou paragem de onde partiram e de onde insconcientemente se esperará pelo regresso. Para os não crentes na morte enquanto viagem, o cemitério contém pura e simplesmente os restos mortais, genuína biomassa, não havendo naquele lugar simbolismo maior do que haver constituido a última vez em que se viu o morto.

Sinto-me na obrigação de ressalvar o direito à tristeza de cada um. Não é, contudo, a tristeza resultante da afectividade para com o falecido que está em causa, antes a componente da tristeza que resulta da forma como se pensa a morte. Deste modo, aceito que se olhe para o lugar vazio na mesa e se sinta tristeza devido à nostalgia, mas não que se chore porque ainda não se está mentalizado do absolutismo do evento, para o qual, repito, contribuem as crenças de que a morte é uma viagem.

Repare-se que quando se crê numa viagem, consequentemente se acredita na continuidade do ser, da pessoa, e daí surgir a dimensão relativa da morte: a pessoa chora e reza porque não acredita que o falecido esteja morto de maneira absoluta e irremediável, perdoe-se-me o paradoxo.

6 comentários:

  1. Antes de mais nada, uma nota histórica: Se não me engano, já na grécia antiga se encarava a morte como uma viagem, onde até se punha na boca do falecido uma moeda para este no outro mundo pagar ao barqueiro que o ia levar nessa viagem.

    Quanto ao teu post, acho interessante a forma como abordas o tema da morte, no entanto discordo de ti em diversos aspectos.

    Primeiramente dizes que "Se a morte for encarada simplesmente como a não-existência....a saudade e a pena são mais fáceis de controlar". Neste ponto eu discordo pois creio que a crença de que o falecido foi para um lugar melhor, ajuda muitas vezes os que sofrem pela sua perda pois dá-lhes algum consolo sobre o destino do falecido, e que levar a perda a um extremo so viria a piorar o estado de espirito dos que o choram.

    Segundo, ao dizeres que os cemitérios, para aqueles que nao acreditam na "viagem" apenas conter "pura e simplesmente os restos mortais, genuína biomassa", penso que estás a simplificar um bocado as coisas. Na minha opinião, mesmo as pessoas sem algum credo religioso, gostam de prestar homenagem de vez em quando, em memória dos seus entes queridos já falecidos, sendo o cemitério muitas vezes o sitio ideal para o fazer, muitas vezes com uma visita e umas flores.

    Terceiro e último, se bem percebi do teu post (corrige-me se eu tiver errado), tu dizes que uma pessoa ao ver um certo "absolutismo" na morte, que aceitará mais facilmente a perda do seu ente querido... nisto eu também discordo, penso que a visão que uma pessoa tenha da morte nao influencia assim tanto a maneira como ela aceita a morte do ente querido e segue depois em frente com a sua vida. Penso sim que esse processo de aceitação levara mais ou menos tempo dependendo da pessoa em questão.

    Sem mais nada para comentar... um abraço

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  2. Caro Radar,

    1) A crença de que o falecido foi para um lugar melhor implica que se admita que ele não morreu, pois racionalmene a morte, sendo o Fim, não contempla esse tipo de narrativas ilusórias.Não passam de artifícios que não nego que consolem a mente do mesmo modo que não nego que a aprisionem.

    2) Certamente que simplifico as coisas, visto que se estivesse sob efeito de alguma perda recente dificilmente teria coragem para defender a tese que defendo neste texto. As homenagens prestam-se em qualquer lado, até pela escrita de um texto se presta homenagem: ver o cemitério como incontornável meio de prestar homenagem mostra bem o aprisionamento que existe. As flores não consolam o morto, consolam-nos a nós.

    3) Se vires a morte na dimensão absoluta que lhe é devida, deixarás de te arrastar uma vida inteira chorando-a, porque saberás que é inevitável e irremediável. De outro modo a tua cabeça apenas a aceitará como inevitável mas nunca como irremediável.

    Muito obrigado por enriqueceres esta discussão.

    Marcelo Melo

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  3. «Muitas Vidas, Muitos Mestres», excepcional livro do psiquiatra norte-americano Brian Wisse, que relata as experiências que ele, como clínico, teve com uma sua paciente, e tudo o que aprendeu com ela, no que ao conceito de morte diz respeito.
    A morte é uma viagem!
    Na morte apenas falece o corpo.
    Uma convicção com que nasci, que não foi fruto de qualquer influência. Procurei informação depois de, durante os anos da minha juventude, ter reflectido sobre essa questão. E fui encontrando muitas respostas, das mais variadas formas.
    A vida é um enorme exame!

    Cumprimentos

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  4. Caro poeta,

    Irei saber mais sobre a obra que refere.

    A minha convicção é dissonante da sua, visto que acredito na crueza e absolutismo da morte. A meu ver, nada existe para lá da ocorrência da morte, daí o caminho e tese que defendo neste texto.

    Saudações,

    Marcelo Melo

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  5. Pois eu não me conformo com essa ideia. E tudo o que o homem é, não o deve apenas ao tamanho do seu cérebro. É fácil dizer que somos como somos, porque somos racionais. Fica-se na mesma. A racionalidade vem de onde?
    O nosso subconsciente, o eu superior.
    Este tema é aliciante, fundamental na minha existência.
    Faça isso, caro Marcelo, tente encontrar o livro que indiquei. Nele se expõem os meus pontos de vista, a minha convicção de décadas.

    com amizade.

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  6. Estou fazendo um trabalho sobre a morte a viagem Tenho a noção que ao longo dos tempos esta viagem foi diferente no tipo de embarque Ontem no lar hoje no hospital uma morte branca altamente tecnológica A ideia do absoluto é dificil pois ela própria é antes demais um estado mutante existente por definição Se não o fosse de facto no seu contexto uma trãnsição, o transplante não era possivel E por outro lado a tendência que tem para o Kaos tem por por base uma ordem matemática de integração Tal como a religião A religião elemento de ligação das comunidades gerando a metafora mais ou menos acessivel a todos como justificação da vida para os que da lei da morte não se libertam pela memória

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