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Sobre a vida privada e a vida profissional

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394875INQM_w Fez agora um ano que o país acordou com a notícia de alguém que, desempenhando funções de fiscalização numa autoridade cuja fama é controversa, supostamente desrespeitou uma nova lei que entrava em vigor, no sentido de proibir o consumo de tabaco em espaços fechados.

Este caso, embora em épocas, situações e graus hierárquicos distintos, pode ser comparado ao do presidente norte-americano que teve uma relação extraconjugal com a sua secretária. Há algo que os liga, que é a enorme tendência para o irracionalismo no povo, acicatado ou encetado pelas notícias e por todos aqueles que recorrem a um sensacionalismo que apela à emocionalidade do público.

Há que saber separar a função profissional da vida privada. Os juízos de valor que possamos fazer, aliados à fundamentação da condenação de ambos os casos não pode ignorar a barreira da liberdade de cada cidadão, para cumprir ou não cumprir as leis existentes, desde que aceite as penalizações que daí decorrem.

À parte a discussão que poderia ser gerada quanto à ética inerente a estes casos, penso que não há motivo para pensar que alguém que seja presidente ou que seja director de uma autoridade de fiscalização não possa incorrer em contra-ordenações ou crimes, porque do mesmo modo que quando votam não passam de um eleitor singular cujo voto vale tanto como o dos outros, também no que toca às demais questões há que saber respeitar a igualdade de direitos.

Os americanos julgaram que aquele incidente dizia respeito à vida privada do presidente, não lhe retirando confiança política para governar o país. É importante ressalvar que a partir do momento que se admite que determinado incidente é do foro privado, deixa de poder ser imputada qualquer penalização respeitante ao desempenho profissional. Só os crimes ocorridos no âmbito profissional é que têm o direito de prescrever a legitimidade para se sair incólume do incidente: sem esta achega estar-se-ia a dar cobertura aos corruptos e desonestos, como na política sempre vão aparecendo.

Talvez seja uma característica latina esta a de não conseguir analisar com racionalidade este tipo de dilemas éticos e avançar sem demora para a condenação, sintomática porventura da frágil estruturação mental que nos é apanágio.

3 comentários:

  1. Pela primeira vez, não estou de acordo consigo, Marcelo Melo. Admito perfeitamente que um presidente, pelo facto de ter tido uma relação extra-conjugal, não seja censurado por isso, muito embora lhe não fique bem. Mas acontece que um Presidente não preside à moralidade de um povo, mas antes à politica que governa o seu país (no caso dos EUA). Por conseguinte, não tem de ser uma referência moral. Já no que diz respeito ao Director Nacional da ASAE, não é admissível que o responsável máximo de uma entidade que fiscaliza uma determinada área, infrinja publicamente o determinado num qualquer artigo da lei que lhe cabe fiscalizar. Se ele próprio fumou num espaço fechado, não pode, moralmente, exigir que um qualquer cidadão o não faça. E ao actuar dessa forma apenas criou problemas para os funcionários que se encontram sob a sua jurisdição, pois os mesmos, ao fazerem aplicar a lei, poderão correr o risco de se verem confrontados com as reclamações dos cidadãos, os que muito facilmente caiem para os desrespeito, de que estiveram presentes quando o seu chefe máximo transgrediu, o que deve ser uma situação extremamente desagradável. O meu desacordo consigo, apenas se cinge a este ponto. De qualquer forma deixe que lhe demonstre o meu apreço, mais uma vez, pela sua visão. Plenamente, o Marcelo é um crítico, de forma muito saudável, desta sociedade, da qual depende muito mais do que eu, pois tem um futuro para construir, o que faz de si um rapaz de extrema coragem. Felicito-o por isso.
    Os meus cordiais cumprimentos.

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  2. Caro poeta,

    Não imagina como valorizo uma discórdia devidamente fundamentada como tónico para uma aprendizagem acelerada.

    Tanto as suas palavras, como as minhas, não passam de opiniões, pelo que não procurarei descortinar uma verdade absoluta no que eu disse e no que o poeta disse.

    Quando diz "muito embora não lhe fiquem bem", penso que define a questão: para bem da coerência e consistência é desejável que não se saiba deste tipo de coisas, isto porque podem ser armas de arremesso fáceis contra a reputação dos mesmos.

    Agora tudo não passa de juízos de valor provenientes de uma frágil separação entre vida privada e vida profissional. Será que todos os outros profissionais de quem não se conhecem incidentes do género "muito embora não lhe fiquem bem" não os têm de facto, ainda que ocultos? Quem determina que incidentes sobre que personalidades devem ser noticiados ou devem ser encobertos? Este é um perigoso campo minado de interesses.

    A natureza humana é permissiva a faltas de respeito, falhas éticas, crimes, independentemente da classe social ou profissional, pelo que empolar casos de vida privada não só é atacar intencionalmente alguém (todos temos por onde esmiuçar alguma coisa)como persistir na falta de respeito pelos direitos individuais de cada cidadão.

    Grato pela discórdia,

    Marcelo Melo

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  3. Na realidade todos temos os nossos deslizes. Mas os deslizes dos profissionais, que pelo seu trabalho mais não aspiram do que o vencimento ao fim do mês, são, na minha perspectiva, de muito mais fácil aceitação do que os deslizes dos profissionais, que enquanto profissionais, pretendem fortalecer a sua imagem como cidadãos, através da tentativa de persuasão de que são seres superiores, razão pela qual foram nomeados para este ou aquele cargo. Se se consideram iluminados, tê-lo-ão de ser em tudo. E muito mais assim será, quando a função que desempenham passa por fiscalizar a prestação comportamental de outros cidadãos, seus semelhantes (ou que supostamente seus semelhantes).

    Um bom debate, este!
    Cumprimentos.

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