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Sobre a pobreza temática na (nova) produção de música ligeira

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Koi in four seasons - Adrien Brody (2016)

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A música é talvez a expressão artística mais presente na vivência diária, embora na maioria dos casos surja como complemento ou mesmo suplemento de outras actividades e não como actividade principal sobre a qual recaia a nossa atenção em exclusivo.

Aquilo que motiva este texto, foi o ter-me apercebido que no universo da música cada vez mais se identifica uma escassez de diversidade temática e uma tendência para o afunilamento no sentido de coisas óbvias e fáceis.

Se na pintura, escultura, cinema, fotografia, etc, é comum encontrar artistas que se dedicaram a temas e assuntos variados e distintos, a música parece resistir à globalização temática e orbitar esterilmente em temas como o amor, a paixão, os relacionamentos, os quais por esta altura estão mais do que gastos devido à excessiva exploração e insistência.

De certa forma, a muitos cantores de hoje falta personalidade ou distinção. Os seus trabalhos acabam por parecer todos feitos da mesma essência, o que os solda a um padrão musical indiferenciado, um lugar comum musical.

Pode-se também especular se esta homogeneização temática não é culpa da voracidade comercial das editoras e/ou outros agentes com algo a ganhar, que acabam por exigir aos cantores uma determinada estética métrica nos seus trabalhos, que certamente mata a criatividade temática. Independentemente da proporção de distribuição de culpas sobre esta questão, a verdade é que a preponderância da exposição pública à música, comparativamente com as demais artes, tende a traduzir-se numa percepção privilegiada sobre a deterioração desta forma artística.

O ouvinte é habituado a um fast-food musical que o satisfaz a curtíssimo-prazo, mas que por força da pobreza temática ou lexical logo cansa e carece de substituição, transformando o universo musical numa selvagem luta pelos píncaros do sucesso à conta de tudo menos da qualidade.Talvez um dia ressurja a noção de que um artista musical pode ser comercialmente bombástico cantando sobre algo único, em vez de insistir mecanimetne no que está puído.

Publicação Original: 05/01/2010
Revisão: 28/11/2016

3 comentários:

  1. Meu caro Marcelo Melo
    Bastante interessante este tema que abordou. Na minha opinião a iliteracia também se manifesta na forma de compreender a música. Muitos ignoram-na, porque pura e simplesmente a não entendem. «Duros» de ouvido, nenhuma emoção a música lhes desperta, mesmo que outros tipos de arte os emocionem. Conheço alguns que, como eu, são da geração dos Pink Floyd, dos Deep Purple, dos Beatlles, dos Creedence, dos Eagle, (monstros da sonoridade), mas que lhes é completamente impossível identificarem uma melodia destes grupos.
    Depois, e falando da iliteracia na música, há os que lêem obras primas, mas que, em relação à música, a mais não ambicionam do que ao Tonny Carreira, ao Toy, ao Emanuel ou ao Quim Barreiros. São os que têm uma levíssima apetência para a música, que por ser tão leve, com dois ou três acordes se satisfazem. Na realidade, em Portugal, segundo me é dado saber, na música ganha muito dinheiro quem toca uma música fácil, com letra pimbalhona, ordinária, ou então que entoa dramas de faca e alguidar, ou histórias heróicas do pobrezinho que deixou a sua aldeia e foi enfrentar o mundo. Isto não obsta a que, em Portugal, existam músicos com muita qualidade, que os há, felizmente. No entanto, alguns músicos, preterindo a qualidade à quantidade, embora sejam músicos em toda a acepção da palavra, leram o nosso mercado, e escolheram. Numa letra feita em cima do joelho, para poltrão consumir, encaixam-na numa musica ritmicamente pobre e melodicamente deplorável,e aí estão, reis e senhores do mercado nacional. Uma grande maioria da população portuguesa lá sabe se esta ou aquela música tem um bom trabalho de baixo, ou viola solo, ou que sonoridade um teclado pode emprestar a uma melodia, ou se o baixo está em sintonia com a bateria...é de fugir. Por essa razão é que por esse Portugal existem indivíduos a levarem boas maquias por uma noite de música num qualquer salão de bairro, esganiçando que o bacalhau quer alho, fingindo que tocam no teclado, quando, efectivamente, o que está a passar é música gravada na disquete introduzida no sintetizador.
    Dei a conhecer aos meus filhos os imortais Deep Purple. Eles retribuíram-me, e apresentaram-me Opeth. Rendi-me. Se não conhece, aconselho.
    Com amizade

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  2. Caro Poeta,

    Como é bom voltar a poder contar com os seus comentários a textos meus.

    Atendi à sua recomendação e fui à procura de Opeth. Confesso que não me sinto capacitado para alcançar o valor acrescentado desse género musical, e como tal não me consigo render a ele.

    Do pouco que sei sobre si, compreendo que tenha um percurso e afinidade com a música que transcende a do mero ouvinte comum.

    Permita, pois, que transporte a sua resposta para dentro dos meus domínios de compreensão e alcance. Mesmo nos grupos que citou como referências, a questão da temática também se coloca, porque os artistas tendem todos a cantar e tocar sobre o mesmo.

    Para mim não é claro porque motivo os artistas não têm carreiras exclusivamente dedicadas à natureza, à vida moderna, à pobreza, ao emprego,à política, à História etc.

    Parece que o "mainstream" é sempre o mesmo: amor, paixão, relações.

    Não lhe parece?

    Marcelo Melo

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  3. Meu caro Marcelo Melo
    muitíssimo obrigado por a minha presença no seu blogue ter significado para si. A sua no meu é importantíssima.
    Sabe, o amor, a paixão e as relações é a forma mais simples de apelar à sensibilidade das pessoas. Eu te amo, tu não me amas, tu foges com outro, eu sofro, sou um sofredor, a vida sem ti não faz sentido, e outras banalidades são facilmente assimiláveis pelo público em geral. Mas, sejamos justos, há quem fale destas coisas com extrema elevação e graciosidade.
    Agora, abordar os outros temas que mencionou,já exigirá do autor uma outra bagagem, que em alguns casos não existirá. Por outro lado, para quem pretende vender, emergirá a dúvida destes temas terem a devida aceitação popular. Seriam demasiado sérios e profundos.
    Em relação aos OPETH: o Marcelo Melo decerto que ouviu o género de música a que chamam de «sepultura», suponho eu. Mas eu passei a gostar dos Opeth, quando os conheci numa vertente completamente diferente- a trovadora. E isso é que me fez ver a qualidade de músicos que ali se encontram. Eles têm baladas excepcionais. São os mesmos músicos a tocarem tanto aquela música agressiva, como as baladas doces, de um sonoridade excepcional. Em termos técnicos, e na minha área particularmente, lhew digo que o baterista dos Opeth deve ser, actualmente, dos melhores do mundo. Tanto na música agressiva como nas baladas ele tem pormenores de execução do outro mundo.
    Com amizade.

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