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Sobre os mendigos nos semáforos

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Não é novidade nenhuma que os grandes pólos urbanos têm o estranho dom de fazer conviver pessoas com vidas miseráveis com gente pertencente à nata cultural e económica de uma região e país, mas será que isso vale de alguma coisa?

Constrange-me verificar que os semáforos começam a ser o palco privilegiado para os extremos da sociedade se encontrarem, para que uns possam mendigar aos outros uma moedita dourada e por uma fracção de segundo comunicarem. Os que mendigam (e não são larápios puros), abordam os veículos nos semáforos procurando justificar a mendigagem, o seu tempo de antena não contempla mais do que um instante, tempo para um piscar de olhos, um olhar, um acenar com a cabeça.

Convenço-me de que aquelas pessoas não haviam de parar nos semáforos como forma de solucionar os seus problemas. Afinal, a espuma económica não tem quaisquer deveres directos de solucionar casos pontuais, muitos menos de forma não voluntária. Que força interior e perseverança tem de ter um pobre miserável aflito, que vive uma situação dramática a ponto de avançar carro a carro numa fila de semáforos e não ter dedos para contar a quantidade nãos e de desprezo a que tem de se sujeitar para poder ganhar uns trocos que darão sabe-se lá para quê.

Esta é a metáfora dos tempos modernos: fechamos os olhos à miséria ou pagamos para a ter longe de nós. Com alguma sorte, um motorista a quem está a correr melhor o dia ou que é assaltado por uma trombose de comiseração, lá baixa o vidro e premeia o esforço de uma manhã de frio invernoso ou de uma tarde ao sol quente do Verão.

As lacunas da segurança-social e as consequências do capitalismo doentio da alta finança encontram-se em cada semáforo da cidade, onde deambulam seres a quem foi retirado quase tudo, até a vergonha de ter de se prostrar perante os veículos dos que passam. É triste esta realidade e mais o é pensar que amanhã, no domingo, na próxima semana, aqueles mesmos seres continuarão a mendigar uns trocos a troco da sua sobrevivente humilhação.

8 comentários:

  1. Caro Marcelo

    De facto, os semáforos começam a ser o ponto de encontro, não só de pessoas que pedem a nível individual como também de grupos sociais que tentam angariar algum dinheiro para a sociedade.
    De facto as pessoas que viajam nos seus carros não têm responsabilidade para com os 'mendigos' que pedem. Esta é da total responsabilidade da junta de freguesia a que pertencem. Sei de casos de pessoas que pediram ajuda na junta e a conseguiram.
    E este facto traz-nos a outro ponto: mas será que essas pessoas realmente querem ser ajudadas ou será que o dinheiro é para ser gasto em algo não essencial? Fica a dúvida.
    E fica também a intenção de fazer o bem, porque quem dá uma moedinha tem a certeza de que ela vai servir para melhorar a vida de quem se submete a essa humilhação.

    Um abraço,
    Ivo Pais

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  2. caro marcelo, é degradante e preucupante a situação de alguns seres que mendigam.
    as vezesnão é apenas culpa do capitalismo doentio,mas parece ser de fato uma herança que foi passandono decorrer da historia até os dias de hoje, certo que o sistema economico de hoje ajuda,mas como em outros casos tudo começou muito antes...

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  3. Caro Ivo,

    É importante que conhecimentos como esse que referiste sejam partilhados, para que as pessoas possam saber qual o trajecto adequado para melhor solucionarem os seus problemas.

    Como muito bem deixaste transparecer no fim do teu comentário, muitos dos que pedem mexem com algo que está dentro de nós e que pouco tem a ver com os motivos da mendigagem. Ao fim e ao cabo parece que damos uma moeda mais por nós mesmos do que pelos mendigos.

    Obrigado pelo teu comentário.

    Marcelo Melo

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  4. Caro Poeta do Inverno,

    No meio dos enormes progressos civilizacionais que o Homem tem produzido, é curioso como ainda não conseguiu solucionar o problema da exclusão social, da qual os mendigos são certamente uma parcela.

    Este modelo de sociedade produz os seus excluídos e ao que parece vamos dar com eles privilegiadamente em alguns semáforos.

    Um abraço para si.

    Marcelo Melo

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  5. Meu caro Marcelo, fico solidário às suas apreenções. Não posso concordar com a extrema miséria..., nenhum tipo de miséria. Entretanto, no meu País a coisa anda bem pior. Atentai bem: Em de Campina Grande, cidade de porte médio localizada no alto sertão Paraibano(nordeste Brasileiro), esses mendigos dos semáforos estão, a praticar atos de terrorismo com pessoas que não atendam aos seus inoportunos pedidos. Já houveram casos de esguincharem ácido muriático no rosto de alguns motoristas.
    Será preciso haverem atos que levam à sequelas permanentes, para que as autoridades competentes tomem alguma atitude, para solucionar a miséria absoluta, na qual vivem alguns concidadãos? Evitando também, que estes invadam a privacidade dos incautos transeuntes?

    Alguma coisa haverá de ser feita... Esperemos que não seja muito tarde.

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  6. Caro Marcelo Melo
    Como sempre, o seu jovem mas atento e acutilante olhar, transmitiu-nos mais uma página excelente, literáriamente falando, terrível no seu conteúdo. Porque me sinto impotente para valer ao infortúnio alheio, emergente de uma gestão da vida ou do alheamento do Estado perante os problemas sociais, quase que sufoco perante uma mão estendida, um semblante de sofrimento, a agonia espiritual de alguém. Se já dei uma moeda, duas moedas, três moedas, e surge um quarto coitado a quem já não dou, fico com sentimento de culpa. Sei bem que não tenho responsabilidade naquele miséria, mas coloco sempre a questão: e se aquele fosse eu, como me sentiria eu apelando à misericórdia de uma esmola, anulando completamente, e mesmo assim recebesse um não?
    Houvesse no mundo um pouco mais de sentimento de partilha talvez essas misérias fossem atenuadas.
    Com amizade

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  7. Caro Gibson Azevedo,

    Muito obrigado pelo seu comentário.

    A partir de suas palavras poderei ser levado a acreditar que os semáforos são bem mais do que o palco do contacto entre os ricos e os pobres, visto que o seu relato comprova que estes também podem potenciar actos de bandidagem.

    Aquilo que sucede, é que a luz vermelha faz o "mundo" parar e nesse instante os mendigos mendigam, os ladrões roubam e a sociedade deteriora-se.

    Serão os semáforos o grande espelho
    das cidades?

    Saudações,

    Marcelo Melo

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  8. Caro Poeta do Penedo,

    Os seus elogios são uma benção que nunca se esgota.

    A referência que fiz ao facto de ninguém dever ser directamente responsável pelas causas dos mendigos, faço-a também olhando para aqueles que são mais sensíveis e que não podem sistematicamente prejudicar-se partilhando e repartindo o que têm, porque qualquer esmola individual e não organizada para além de ser um chamariz dificilmente resolverá os problemas estruturais dos que mendigam.

    Não me parece justo que os mais sensíveis à miséria voluntariamente se disponibilizem para procurar solucionar questões que são do foro do Estado e da generalidade da sociedade civil.

    Amistosamente,

    Marcelo Melo

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