Da leitura do livro Siddhartha, escrito pelo alemão Hermann Hesse, retive privilegiadamente uma passagem que (há) muito me tem dado que pensar. A determinada altura da história Siddharta alega que as suas faculdades eram apenas três: saber esperar, saber jejuar, e saber pensar. Com elas fazia a sua vida funcionar.
Ora isto merece-me algumas considerações cruzadas com o presente a que assisto:
Saber jejuar - Com a abastança que reina neste período histórico, desde logo pelo milagre da multiplicação de bens de consumo, o jejuar que se coloca não é tanto uma contigência de cifrões ou um imperativo religioso, mas um acto deliberado de purificação e disciplina em relação à máquina compulsiva alojada em que cada um de nós, que incessantemente deseja e ideliza objectos, e incessantemente impele à consumação da posse sobre os mesmos.
Saber pensar - Chafurdamos hoje no reinado da opinião, e só em apneia garantimo que o facto prevaleça ou que o respeito pelo desconhecido contenha qualquer ímpeto especulador de onde desaguarão ainda mais opiniões. Saber pensar certamente que não é discorrer no sentido do que nos apetece concluir, pelo que urge resgatar humildade para que deixemos de nos aceitar como reféns da própria máquina pensante que transportamos e somos.
Saber esperar - Há coisas que pura e simplesmente não dependem do homem por muito que este se esforce por dominar e controlar. Podemos acelerar a geração de eventos mas há processos e fenómenos que têm constantes de tempo próprios. O saber esperar reside no entender as regras do mundo e colocarmo-nos ao seu serviço, aceitando o presente e impedindo que ele se perturbe com as reminescências do passado ou com apostas de casino sobre o futuro. Sujeitarmo-nos à temporização própria do mundo é um acto de reconhecimento de que não somos donos de nada nesta vida, muito menos do tempo.
Eis como um bom livro, para além do valor facial da sua história, consegue imprimir notas de autodesenvolvimento e reflexão colectiva para aqueles que delas se quiserem ocupar.
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