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Sobre o livro 'Debaixo de Algum Céu', (Nuno Camarneiro), e uma boa história de baralhar e redistribuir as vidas dos seus personagens, encontrando-lhes soluções para problemas anteriormente vividos

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Quando me decidi à leitura de 'Debaixo de Algum Céu', do português Nuno Camarneiro, dei por mim desconfiado de algum equívoco, pois nem sempre os prémios (literários) refletem meritocracia.  Porém, esta desconfiança mesclada de preconceito - até porque conhecia alguma coisa da vida deste escritor - começou a ser quebrada logo quando li os aclamados nomes que formaram o painel decisor do prémio. Ainda sem ler o livro, custava-me a crer que um livro possa enganar nomes tão versados na matéria.

O livro, como concluí mais tarde, não precisa do prémio para justificar a sua existência, vale pela convincente e lúcida proposta de diálogo com o leitor, narrando vidas normais dos habitantes de um prédio à beira-mar plantado, junto a um farol, durante um período de poucos dias entre o período de Natal e a passagem do ano.

Pela abundância e variedade dos personagens colecionados na história, Camarneiro consegue fazer a narrativa saltitar entre núcleos familiares ou pessoas a existir sozinhas sob a memória deles, e permeia esse jogo com capítulos onde um personagem ou o narrador sublinham e se demoram com a sua perspetiva individual sobre ocorrências narradas, estados psíquicos vividos em associação à ação da história, ou como eixos caracterizadores das pessoas que são.

'Debaixo de Algum Céu' poderia muito bem ter-se chamado "Na Orla de Algum Mar", pois o mar é, mais do que o céu, o meio que liga várias das imagens e vidas dos personagens da história. Por ser sobejamente variegado apesar do seu sucinto tamanho, a leitura deste livro é ágil, e a impressão final é a de que também o leitor pertence ao prédio onde tudo acontece, e que também o leitor se inscreve nas efemérides por lá vividas. Sem ser dotado de uma moral protuberante a coroar toda a história, o mérito de Camarneiro é baralhar e redistribuir as vidas dos seus personagens, encontrando-lhes soluções para problemas anteriormente vividos, soluções essas que assentam como uma nova maré no momento temporal do ano novo, onde por norma nos deixamos fazer brotar novas resoluções que alterem ou deem cumprimento ao que de menos bom ou desejável se reconhece do ciclo temporal anterior.

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