Demorei um pouco a plasmar em palavras a impressão que me deixou o livro "A Queda de um Anjo", do incontornável Camilo Castelo Branco. Esta leitura aguardava oportunidade para ser feita, e o que a antecipava muito apelativa era a ideia (confirmada) da história ser original: um fidalgo do interior é desterrado para a capital para exercer o seu cargo de deputado e cai em desgraça devido aos vícios ali encontrados.
A história é essa, mas não com os contornos que lhe imaginara, pelo menos no que se entende por vícios. Calisto Elói - o personagem principal - é sobretudo um homem regido por relações geneológicas, daqueles que estuda e apregoa a pureza do seu sangue e que fiscaliza a (im)pureza da linhagem dos outros, usando-a como critério de aceitação das pessoas que o entornam. Esta é, de resto, a força diretriz dos factos narrados na história, não só porque explica um casamento precoce e por conveniência de Calisto com uma prima local que nunca amou; como também porque preside à decisão de se amantizar na capital por uma vistosa senhora vinda do Brasil de quem ao início se descobre ser parente de boa linhagem, e da qual mais tarde se faz novo marido.
Como o culto ao bom nome genealógico é um exercício que coloca ênfase total no passado, Calisto Elói revela no parlamento uma oratória que surpreende pelas referências e imagens anciãs que cita, pelo estilo com que articula e argumenta; e pelas ideias conservadoras e ultra tradicionalistas com que mede e calibra as discussões parlamentares e os perfis oratórios dos colegas no hemiciclo.
Tudo isto acaba por ruir com estrondo, e ainda bem, porque a expansão da cosmovisão e o viver no presente nunca fizeram mal a ninguém e são uma estrada sem retorno. A haver queda (do anjo) essa é a que resulta da tomada de consciência de que o mundo é sempre mais plural do que somos capazes de antever, sobretudo quando cultivamos redomas de segurança que ingenuamente o catalogam em datadas prateleiras mentais.
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