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Sobre o livro 'A Costa dos Murmúrios' (Lídia Jorge), e uma pungente memória ficcional da Guerra Colonial Portuguesa centrada nas mulheres dos oficiais que nela combateram

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Hiatus - Laura J. Padgett (2019)

 O livro A Costa dos Murmúrios é um importante contributo de ficção autorado pela escritora Lídia Jorge sobre a memória Guerra Colonial Portuguesa. Escrito numa toada onírica, de quem recorda já sobre fortes camadas de recalmento e retoque, o leitor é convidado a entender e reentender a trama como produto de clarificações e acrescentos ao longo das páginas, e do confronto entre a honestidade factual e o truncamento narrativo para autodefesa ou autoexplicação. Lídia Jorge escreve sobre alguém que reescreve retrospectivamente uma história pessoal, e com isso desvenda o tumulto, ansiedade e desgosto do tempo da ação, contraposto à tranquilidade do desprendimento emocional e consolidação explicativa permitidos pela distância temporal aos eventos narrados.

A história orbita na personagem de Evita, que é mulher de um alferes. A história dicotomiza fortemente a visão do homem militar que sonha com heroísmos medalháveis em cenário e tempos de guerra; e o lado das esposas destes, enquanto figuras reprimidas e remetidas ao papel machista de mães, esposas, donas de casa ociosas, com um querer próprio e liberdade tíbios, e onde o único horizonte existencial é sonhar com o fim da guerra e/ou, pecaminosamente, com o fim dos companheiros a quem não mais reconhecem chama amorosa e empatia. Relações interpessoais desfiguradas, valores pessoais amolgados e relativizados.

A ação decorre em Cabo Delgado, Moçambique, e a beleza natural que é amplamente narrada revela-se um bâlsamo insuficiente para subverter a escuridão da revolta interior de se estar contrariado num território e numa guerra que não se deseja; de se defender e comportar sob entendimentos supremacistas impeditivos da paz e da concórdia; e do desvirtuamento dos valores e da identidade em militares engolidos pela experiência de guerra.

Lídia Jorge é sublime no mostrar que mais do que uma vitória ou derrota territorial, a Guerra Colonial fez perder vidas, e fez danificar vidas aos seus sobreviventes. Esse impacto indelével condicionou a felicidade e o destino de muitos militares e de muitas famílias de militares portugueses. O livro não explora a contrapartida do lado africano, mas adivinha-se, em espelho e por empatia humanista, idênticos dramas e prejuízos nos combatentes contrários.

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