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Efígies de substância (2025.2): a heterogeneidade inerente à espécie humana torna qualquer tentativa previsão num exercício de ficção

 

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Efígies de substância visa estimular o pensamento e reflexão pela força do génio de cartoonistas capazes de surpreender e deliciar com as suas criações.


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Caminhadas pela vizinhança (2025.3): a grande caravana da lógica cartesiana, da lógica poética, dos sentimentos e das emoções

 
Poetic - Carmen Magem 


"Para escrever é preciso, muitas vezes, estar num estado próximo do sonho. Ou seja, em que os nexos lógicos deixam de ser lógicos no sentido comum de quando se está acordado. Tem que se sobrepor a essa lógica uma outra lógica que se aproxima, essa sim, da lógica poética. Ou seja, em que os nexos são muito mais afectivos, têm muito mais que ver com as emoções, com os instintos, do que com a racionalidade quase cartesiana com a qual vivemos o nosso dia-a-dia."

"As emoções e os sentimento que se lhe seguem são causados por certos objectos, certas situações, e envolvem uma transformação do cérebro, envolvem uma transformação do corpo, envolvem uma transição do organismo por inteiro. [Quer isso dizer que descobrindo o funcionamento biológico das emoções e dos sentimentos, podem vir a alterar-se sentimentos e emoções por via biológica?] Claro. Isso é uma possibilidade. (...) Mas de um ponto de vista mais geral, é algo que acontece, por exemplo, quando você toma um scotch ou bebe meia garrafa de vinho. Aquilo que está a fazer é uma manipulação das suas emoções e dos seus sentimentos utilizando um agente químico."
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Sobre o porquê do perfil educado, obediente e previsível não bastar para se atingir o ápice do desempenho: uma questão de impacto

Impact - Gigi Scaria (2023)

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Ser bem educado não raro se (con)funde com ser obediente. A obediência é uma forma conservadora de assegurar a tranquilidade social e hierárquica, de existir e produzir de acordo com cânones comportamentais de causa-efeito antecipáveis, e conflui em idade escolar para a ideia de um bom aluno quando casada com a ideia de se ser aplicado e esmerado no corresponder às expectativas tutelares e no superar dos desafios diretamente colocados sob a forma de exames planeados para aferir a aquisição de conhecimentos e competências.

Não é de espantar que o mercado de trabalho, para os escolarizados, seja encarado como um jogo de saber corresponder às expectativas e superar os desafios que a cada um sejam colocados no decorrer do seu percurso. O viés que se gera nesta transposição é que a vida e o trabalho não são jogos de planeamento central, capazes de ser palmilhados de modo a que se saiba sempre e inequivocamente qual é o desafio o resolver, como se deve resolver, e quando é que é suposto solucioná-lo. Essas fronteiras não raro não existem explicitamente e portanto não são consultáveis ou verificáveis formalmente. E é neste viés que se joga muita da diferença de valor entre colaboradores, porque o grosso dos recursos humanos fica retido na mimetização do processo educativo recebido, em que um problema explícito tem de ser colocado num dado tempo de resposta (um exame, com duração conhecida); o pedido de resolução deve ser feito obrigatoriamente (calendário de exames), e a resolução deve então ser aplicada usando técnicas, ferramentas e procedimentos perfeitamente conhecidos (conteúdo ministrado em aula ou disponibilizado para a disciplina).

É impossível abranger com um breve texto toda a panóplia de profissões e suas escalas hierárquicas e nuances funcionais, mas ouso ainda assim dizer que o trabalhador obediente, tranquilo, que existe e produz sob cânones comportamentais de causa-efeito antecipáveis, aquele é aplicado e esmerado no corresponder a expectativas e no superar dos desafios diretamente colocados, será (quase) sempre tido como um bom trabalhador e um bom ser humano. Pode é nunca chegar ao topo da pirâmide evolutiva, ou porque as vagas para isso já estão ocupadas (azar: tente noutro lado); ou porque apesar de tudo o que tem de bom não tem um mérito suficientemente destacável para subir mais e mais (concorrência horizontal); ou porque, e é muito por aqui que pretendo sublinhar o ponto deste texto, as suas várias qualidades não chegam para criar o impacto necessário e surpreendente, pois as qualidades detidas resultam num perfil de risco baixo.

Ter um perfil de risco baixo é um seguro de vida fraco para impressionar, para identificar por si um silencioso problema que paira entre todos e que ainda não foi devidamente mencionado e definido; para ousar fazer o que ainda não foi feito, sobretudo quando nesse ousar morar a inovação, o ganho de eficiência ou tão só a boa tomada de decisão.  A mornidão do perfil obediente de que falo (e que ainda assim é totalmente preferível a perfis pessoais ou profissionais que fracassem nas qualidades que compõem tal perfil) impede-o de tentar dar o salto para um registo de maior valor acrescentado, onde a criação de impacto é a métrica de desempenho decisiva, para esse tabuleiro que modifica o modo como um profissional e ser humano passa a ser visto e avaliado. As pessoas que criam mais impacto são as que ficam para a história das famílias, das empresas, das sociedades; são aquelas que romperam algum caminho novo que abriu novas possibilidades e que foi premiado com retornos de outro modo não antecipáveis. Vale portanto a pena refletir sobre a ênfase e o valor que atribuímos ao perfil obediente da pessoa educada, pois não é bem isso que, bem vistas as coisas, se espera de um ser humano a quem foi dado intelecto, criatividade e vitalidade para fazer evoluir o estado geral das coisas que o rodeiam, e de quem se espera que possa contribuir para um mundo melhor do que aquele que encontrou.
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Sobre a releitura do livro 'Um Deus Passeando Pela Brisa da Tarde' (Mário de Carvalho) e uma magnífica história sobre um homem e a sua consciência, no tempo dos romanos

Glory - Megan Gabrielle Harris (2025)

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Não costumo deixar passar muito tempo desde o término da leitura de um livro até produzir um texto avaliativo dos méritos e defeitos desse livro. Neste caso essa demora ocorreu, mas ressalve-se que me prestei a avaliar uma releitura, o que para mim é situação inédita, pois tenho sido um leitor que não reincide nos livros, apenas nos autores. Algo que resolvi ser hora de inverter.

Pois bem, o livro 'Um Deus Passeando Pela Brisa da Tarde', do português Mário de Carvalho, é uma recriação ficcionada de uma cidade romana localizada na Lusitânia no segundo século do nosso calendário, assolada em simultâneo por dois males sociais: a ocupação ibérica pelos mouros a partir do sul; e a ascensão interna e disruptiva do cristianismo no seio da romanidade.

A história é francamente bela, pela fruição de uma escrita de qualidade, pelo contacto com a estética da própria civilização romana, e pela centralidade de uma personagem moralmente nobre: Lúco Quíncio, um magistrado local, declaradamente fã do imperador filósofo Marco Aurélio, e que parece ser o último bastião (ainda assim falível) na defesa dos mais altos interesses do bem comum. É de resto sobre o entendimento, cuidado e preservação do bem comum que mais versa a história, incluindo dilemas éticos, não sendo despiciendo ligar este tema ao facto do autor do livro ser licenciado em direito e portanto de muito interesse e referência lhe poder afigurar-se a herança romana em matéria de sistema de justiça.

Aquando da sua releitura o livro figurava já como um dos meus favoritos, e saiu reforçado desse estatuto. É um livro que merece mais ampla divulgação e discussão nacional, e parece-me muito útil como ferramenta para a formação em cidadania dos jovens, pois explora a importância de se ter consciência e empatia, bem como de adotar processos de autocrítica e autocontrolo, sejam pela sustentação em consciência de posições impopulares, seja pela necessidade de domar ímpetos emocionais enviesantes. A somar aos vários méritos do livro surge ainda o seu valor histórico, materializado por uma caracterização cuidada e pedagógica do império romano e da herança ibérica que fabricou.

Por sentir tudo isto sobre o livro vejo-me obrigado a recomendar a leitura e releitura desta magnífica história sobre um homem e a sua consciência, no tempo dos romanos.
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Efígies de substância (2025.1): uma das atuais formas de interpretar os assuntos do mundo real é perspetivá-los sob a esfera do universo digital


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Efígies de substância visa estimular o pensamento e reflexão pela força do génio de cartoonistas capazes de surpreender e deliciar com as suas criações.


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Sobre o porquê de discutir hábitos de leitura quando literatura é arte, e o busílis da questão que é a qualidade das leituras que se escolhem e privilegiam

Reader (big fan) - Anna Wehrwein (2024)

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A leitura está presente no dia a dia de formas tão ubíquas que se torna invisível. As tecnologias de informação dependem da leitura enormemente, mas reconfiguraram a leitura para um plano telegráfico, e obedecendo à lógica de janelas de atenção muito curtas. Se repararmos com cuidado, também as peças jornalísticas televisivas e de publicidade intercalam frações de vídeo muito curtas (de alguns segundos) para assegurar dinamismo e cativação da atenção do espetador. Ninguém parece desmerecer esses meios por assim procederem. Também as tecnologias de informação fizeram isso ao texto e à experiência da leitura. Esta é altamente requerida por aquelas mas em microdoses, idêntico porventura a quem faz leitura intensiva e recorrente de títulos dos jornais e com isso se afirma informado e capaz de ler.

O tema dos hábitos de leitura ergue-se quase sempre sob o prisma da leitura de livros, e invariavelmente de livros de ficção. Estes hábitos, porém, não são esgotam nos livros nem na ficção, mas sobre isso pouco ou nada se diz. Se, como uma certa vox populi leitora afirma, o que interessa é ler, então elogiemos despudoramente o modo como as tecnologias de informação colocam as pessoas a ler todos os dias e a toda a hora, em enorme volume e rapidez, apesar de ser em microdoses e sob parca riqueza lexical e discursiva. Se isto não soa a satisfatório, então é porque o que importa não é só a ação de ler: o que importa é o produto cruzado da qualidade e quantidade do que se lê.

Os livros são um concentrado intencional de texto que permite um ato de leitura mais demorado, formulado para destilar determinado objetivo reflexivo e/ou emocional. E como concentrados que são, o seu consumo por via da leitura consegue produzir efeitos que nenhuma leitura diluída ou espartilhada o conseguirá. A arte de sequenciar por escrito palavras e ideias e com isso soprar o imaginário do leitor com um ideário e uma experienciação autoinduzida é um campo criativo onde só os excepcionais conseguem figurar para a eternidade. É um campo onde os não excecionais conseguem também sobreviver, mas com finitude anunciada, escudados em leitores que lhes compreendam a proposta de entretenimento e a funcionalidade prática da leitura do que produzem.

Julgo que nenhuma discussão de hábitos de leitura pode silenciar que se a literatura de ficção é uma arte, então os hábitos de leitura, se bem aplicados, confluem para a evolução do ser humano, para o seu refinamento de sensibilidades, para o apuramento dos cânones estéticos e existenciais. Não confundamos isto com preferências pessoais ou clubísticas de leitura, de géneros e/ou de autores. Uma essência é uma essência. A literatura não tem de ser anárquica e acéfala a troco de colocar os ditos hábitos de leitura num pedestal inquestionável de bem maior a preservar. 

Por isso concluo: mais vale não ler determinadas coisas do que as ler. Mais vale valorizar o que é bom do que (des)valorizar tudo, admitindo qualquer escrito de ficção à mesa como meritório. Mais vale perder tempo a discutir o que é isso do bom, do que perder tempo a assinalar que cada um é que sabe da sua vida e outras asserções castrantes do apuramento da excelência. O fim último das coisas não pode ser autopreservar-se a qualquer o custo. 

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Caminhadas pela vizinhança (2025.2): quem lê um livro lê-o por gosto (?); e a construção de capelinhas um pouco por todo o lado

 Cadet Chapel - Daniel Ashe (2019)

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"A leitura tornou-se num jogo e é dos competitivos. A sua gamificação é real e espera-se que se intensifique, porque convoca constantemente novos leitores, que aparentemente têm mais satisfação em superar os seus próprios números do que em ler um livro sem pressas ou pressões, apenas pelo prazer da leitura, que se quer bem demorado."


"Eu acho que as pessoas, até por aquilo que se chama a falência das grandes narrativas, existe uma espécie de carência de sentido e essa carência de sentido que as pessoas encontram nas suas vidas, como já não as encontram nas igrejas, muitas vezes vão construir capelas em muitos lados. E o jornalismo é um terreno muito dado à construção de capelinhas e isso é um problema. Então, ao invés de termos o jornalista temos o pregador."
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Caminhadas pela vizinhança (2025.1): o capitalismo é capaz de produzir os maiores atos de solidariedade; e a sorte de encontrar cedo uma coisa que interessa fazer

 

Black Horizontal Pyramids - Alexander Calder (1975)

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"In his January 2003 State of the Union address, President George W. Bush made an announcement: The United States would undertake a massive investment to combat HIV/AIDS around the world. Those working in the field remember watching the speech and wondering if this could be a much-needed turning point. (...) It's the largest health commitment ever made by any country, now totaling more than $100 billion in more than 50 countries. (...) Bush returned to Washington on [2013] to extol PEPFAR's progress and to urge continued support when Congress takes up reauthorization of the program this year. "I don't really come to Washington often," he said. "But I'm here to remind people that American taxpayers' money is making a huge difference, a measurable difference in saving lives: 25 million people." (...) Ambassador John Nkengasong, the U.S. global AIDS coordinator and special representative for global health diplomacy, (...) said, "PEPFAR is, in my view, the greatest act of solidarity that humanity has ever created in solving an infectious disease challenge like HIV/AIDS."

"Sim às vezes saem [perfeitas à primeira tentativa] mas a maior parte das vezes não saem, a primeira versão não é boa, não é, tem que se sofrer, para que o leitor possa ter prazer tem que se sofrer, mas vale a pena porque senão a vida não faz sentido. E tive a sorte de encontrar uma coisa que desde os cinco, seis, oito anos era a única coisa que me interessava fazer. (...) isto é um trabalho de teimosia, paciência".
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