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Sobre os milagres numa sociedade que por um lado quer rigor e transparência na ciência e por outro esbanja opacidade e clausura intelectual

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Miracle - Milan Kunc (1994)

Os milagres constituem para os crentes o culminar da prova de existência de um elo supremo, constituindo por isso um auge da fé pessoal, capaz de catapultar os espírito para altos índices de confiança, motivação, obediência ou êxtase.
Numa perspectiva talvez mais arrojada, pergunto-me até que ponto não é lícito pensar que alternativamente à resposta profética vislumbrada num qualquer evento tido como milagre, aquilo a que se chame milagre tenha mais a ver com o humano que o proclama do que com o próprio Deus em quem o mesmo atribui os louros do evento. 

O milagre pode ser mundano como as demais coisas e ser resumido essencialmente à falta de capacidade de acreditar de um ser, sobrepondo-se à fábula da intervenção divina. Quem falar num milagre poderá estar a discursar sobre si próprio e sua limitação emocional para expectar resultados probabilisticamente raros e menos prováveis.

Claro está que afirmar tal cenário é combater um colossal trunfo do campo religioso, pelo que dificilmente seria pacífica a consensualização geral de tal ideia. Não é conveniente para a indústria da fé, se é que me permitem abordar a questão nestes termos, deixar ganhar ânimo novos entendimentos ou, mais precisamente, esta questão dos milagres, por razões óbvias que também contemplam o facto de ser pouco encorajador acreditar num Deus que não se dá a intervenções terrenas para causas supostamente à sua altura.

Agora o existir, até de uma burocracia para permitir a beatificação de pessoas que inclui a existência de um milagre é, no seu todo, transformar os milagres no componente monetário necessário a tal ascensão e como tal, para mim, é enovelar a verdade dos milagres com outras motivações. Julgo que não é comportável com o nível científico de hoje viver numa sociedade que por um lado quer rigor e transparência na ciência e por outro esbanja opacidade e clausura intelectual.


Publicação original: 07/2007
Revisão: 09/2023

1 comentário:

  1. '(...) É preciso correr riscos, dizia ele. Só entendemos direito o milagre da vida quando deixamos que o inesperado aconteça.
    Todos os dias Deus nos dá – junto com o sol – um momento em que é possível mudar tudo que nos deixa infelizes. Todos os dias procuramos fingir que não percebemos este momento, que ele não existe, que hoje é igual a ontem e será igual a amanhã. Mas, quem presta atenção ao seu dia,descobre o instante mágico.(...) Este momento existe – um momento em que toda a força das estrelas passa por nós, e nos permite fazer milagres.
    Pobre de quem teve medo de correr os riscos. Porque este talvez não se decepcione nunca, nem tenha desilusões, nem sofra como aqueles que têm um sonho a seguir. Mas quando olhar para trás – porque sempre olhamos para trás – vai escutar seu coração dizendo: “O que fizeste com os milagres que Deus semeou por teus dias? O que fizeste com os talentos que teu Mestre te confiou? Enterraste fundo em uma cova, porque tinhas medo de perdê-los. Então, esta é a tua herança: a certeza de que desperdiçaste tua vida.”
    Pobre de quem escuta estas palavras. Porque então acreditará em milagres, mas os instantes mágicos da vida já terão passado.(...)'

    'Nas Margens do rio Piedra'
    Paulo Coelho

    Dá que pensar... :)

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