A leitura está presente no dia a dia de formas tão ubíquas que se torna invisível. As tecnologias de informação dependem da leitura enormemente, mas reconfiguraram a leitura para um plano telegráfico, e obedecendo à lógica de janelas de atenção muito curtas. Se repararmos com cuidado, também as peças jornalísticas televisivas e de publicidade intercalam frações de vídeo muito curtas (de alguns segundos) para assegurar dinamismo e cativação da atenção do espetador. Ninguém parece desmerecer esses meios por assim procederem. Também as tecnologias de informação fizeram isso ao texto e à experiência da leitura. Esta é altamente requerida por aquelas mas em microdoses, idêntico porventura a quem faz leitura intensiva e recorrente de títulos dos jornais e com isso se afirma informado e capaz de ler.
O tema dos hábitos de leitura ergue-se quase sempre sob o prisma da leitura de livros, e invariavelmente de livros de ficção. Estes hábitos, porém, não são esgotam nos livros nem na ficção, mas sobre isso pouco ou nada se diz. Se, como uma certa vox populi leitora afirma, o que interessa é ler, então elogiemos despudoramente o modo como as tecnologias de informação colocam as pessoas a ler todos os dias e a toda a hora, em enorme volume e rapidez, apesar de ser em microdoses e sob parca riqueza lexical e discursiva. Se isto não soa a satisfatório, então é porque o que importa não é só a ação de ler: o que importa é o produto cruzado da qualidade e quantidade do que se lê.
Os livros são um concentrado intencional de texto que permite um ato de leitura mais demorado, formulado para destilar determinado objetivo reflexivo e/ou emocional. E como concentrados que são, o seu consumo por via da leitura consegue produzir efeitos que nenhuma leitura diluída ou espartilhada o conseguirá. A arte de sequenciar por escrito palavras e ideias e com isso soprar o imaginário do leitor com um ideário e uma experienciação autoinduzida é um campo criativo onde só os excepcionais conseguem figurar para a eternidade. É um campo onde os não excecionais conseguem também sobreviver, mas com finitude anunciada, escudados em leitores que lhes compreendam a proposta de entretenimento e a funcionalidade prática da leitura do que produzem.
Julgo que nenhuma discussão de hábitos de leitura pode silenciar que se a literatura de ficção é uma arte, então os hábitos de leitura, se bem aplicados, confluem para a evolução do ser humano, para o seu refinamento de sensibilidades, para o apuramento dos cânones estéticos e existenciais. Não confundamos isto com preferências pessoais ou clubísticas de leitura, de géneros e/ou de autores. Uma essência é uma essência. A literatura não tem de ser anárquica e acéfala a troco de colocar os ditos hábitos de leitura num pedestal inquestionável de bem maior a preservar.
Por isso concluo: mais vale não ler determinadas coisas do que as ler. Mais vale valorizar o que é bom do que (des)valorizar tudo, admitindo qualquer escrito de ficção à mesa como meritório. Mais vale perder tempo a discutir o que é isso do bom, do que perder tempo a assinalar que cada um é que sabe da sua vida e outras asserções castrantes do apuramento da excelência. O fim último das coisas não pode ser autopreservar-se a qualquer o custo.